Paraíba

Coluna

O programa 'Minha Casa, Minha Vida' em Campina Grande: zerou o déficit, mas não resolveu o problema habitacional?

Conjunto Habitacional Aluízio Campos, em Campina Grande (PB). - Foto: Jobson Brunno, 2019.
Moradores reclamam de problemas de iluminação, segurança, custos de deslocamento e falta de serviços

Por Jobson Brunno da Silva Lima* e Lívia Miranda**

“O maior conjunto habitacional do programa Minha Casa, Minha Vida em construção”, “uma nova cidade”, “maior que 180 cidades da Paraíba”, “maior obra da história de Campina Grande”, “um divisor de águas que colocou a política habitacional do município em outro patamar” são frases que a prefeitura e a imprensa tradicional de Campina Grande na Paraíba reproduzem desde 2014, para tratar sobre o Conjunto Habitacional Aluízio Campos.

Com 4200 unidades habitacionais (casas e apartamentos), o projeto foi inaugurado em 2019, sob a promessa de solucionar o problema do déficit habitacional no município. Dez anos depois do seu anúncio, as repercussões socioespaciais da implantação do empreendimento se mostram muito distantes das promessas e superlativos dos discursos oficiais.

O isolamento, os longos percursos diários dos seus moradores para o trabalho, o tráfico de drogas e o abandono são alguns dos efeitos perversos da provisão habitacional descompromissada com uma boa inserção urbana, com a diversidade urbana e com as condições de habitabilidade das famílias residentes.

O Conjunto Habitacional Aluízio Campos foi concebido em uma estratégia de desenvolvimento regional, idealizada por meio de um complexo multimodal que inclui áreas para moradias, indústrias, jardim botânico, empresas de tecnologia e instituições educacionais. Juntos, esses equipamentos utilizam uma área de 800 hectares, que deveriam ser implantados até 2034. 30% dessa área destina-se ao conjunto residencial.

No entanto, o Complexo vem enfrentando dificuldades para a sua implantação, visto que não contava com financiamentos para viabilizar os projetos previstos, com exceção da política de provisão habitacional, promovida pelo Governo Federal, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Enquanto um novo ciclo de eleições municipais se aproxima, questiona-se: o modelo de provisão habitacional periférica, com baixa inserção urbana, é aquele que deve continuar a ser reproduzido em Campina Grande para resolver o déficit habitacional?

Longe dos superlativos discursivos: as oportunidades habitacionais na prática e no dia a dia da população

Para além de fornecer um abrigo, o direito à moradia, reconhecido em 1948 a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, engloba o acesso a serviços básicos, infraestrutura e equipamentos essenciais para a vida humana.

Enfrentar o déficit habitacional e promover o direito à moradia adequada não se trata, portanto, somente do fornecimento de uma habitação em condições físicas e ambientais consideradas mínimas, mas também requer uma moradia bem localizada, com acesso a serviços, equipamentos e infraestruturas.

Nesse sentido, o Plano Municipal de Habitação (Lei n. 4.787/2009), elaborado pela prefeitura de Campina Grande, apresentou demanda de necessidades habitacionais que incluía, além de novas unidades (provisão direta), lotes urbanizados e a inadequação de domicílios quanto ao abastecimento de água, a coleta de lixo, a construção de instalações sanitárias, a regularização fundiária, a reforma/ampliação de domicílios e ampliação da rede coletora de esgoto (provisão indireta). 

Como parte do programa de provisão direta, esperava-se construir 10 mil unidades habitacionais até 2020. No entanto, supostamente zerando o déficit quantitativo, a produção pública para moradores de baixa renda alcançou 13.222 moradias. O Conjunto Habitacional Aluízio Campos representou 31% desse total, e pelo menos 50% daquelas construídas com recursos do MCMV.

Por outro lado, o programa de provisão indireta previa a urbanização de assentamentos populares e a regularização fundiária para atingir pelo menos oito mil famílias. Essa modalidade de programa não foi prioritária. Apenas quatro intervenções de urbanização de favelas foram realizadas com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), nas: “Invasão Linha Férrea Araxá”, Bodocongó, Região Sudoeste e “Invasão Novo Horizonte”. 

Campina Grande teve um incremento de mais de 35 mil domicílios desde o censo demográfico de 2010. Desse total, quase 26 mil unidades foram promovidas pelo Programa Federal Minha Casa Minha Vida. Ao mesmo tempo, o censo registra que a proporção de domicílios vagos foi a maior identificada no estado da Paraíba. São cerca de 27.000 domicílios, aproximadamente 20% do estoque de domicílios. Esses números ensejam o debate sobre a eficácia das políticas de provisão de novas unidades habitacionais e também sobre o papel que o mercado imobiliário exerce nessa aglomeração.

Como se pode observar, embora a produção de novas unidades tenha sido abundante, as demandas por regularização urbanística das favelas e comunidades urbanas continuaram a crescer. Os dados preliminares do Censo Demográfico (IBGE 2022) identificaram uma população de mais de 31 mil pessoas vivendo em favelas ou comunidades urbanas em Campina Grande. Os dados do Atlas da Precariedade de Campina Grande, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Observatório das Metrópoles, apontam a existência de mais de 50 assentamentos populares no município, quando somente 17 são reconhecidos como Zonas Especiais de Interesse Social (Lei Municipal n° 4.806 de setembro de 2009).

Como os números acima demonstram, não é somente a unidade habitacional que afirma a eficiência de uma política de provisão de moradia. O conjunto habitacional Aluízio Campos, por exemplo, abriga uma população de 10.625 habitantes (IBGE, 2022). Os Residenciais, até o momento, não contam com uma escola de ensino médio. Os moradores reclamam de problemas de iluminação, descaso nas praças, segurança, custos de deslocamento e falta de comércio e de serviços nas proximidades. Além disso, denunciaram rachaduras nos imóveis, que vêm sendo causadas pelos impactos das explosões de uma pedreira instalada nas proximidades do conjunto.

Com serviços, equipamentos públicos insuficientes e distante dos empregos, as jornadas de deslocamentos se alongaram, tornando o sonho da casa própria insustentável para parte das famílias que fecharam, alugaram, abandonaram as moradias. Sem uma casa própria bem localizada, o custo de vida foi ampliado e algumas famílias acabaram voltando a viver em residências alugadas, comunidades ainda não urbanizadas pelo poder público e/ou áreas susceptíveis à riscos socioambientais. Sob esse modelo, a casa própria torna a vida cotidiana insustentável para seus moradores, apartados do direito à cidade. 

Parcelar a terra, expandir a cidade: quem realmente está ganhando com o atual modelo de política de moradia?

A produção dos conjuntos habitacionais pelo poder público em áreas isoladas, cercadas por propriedades rurais e terrenos com menor valor imobiliário, beneficiou proprietários imobiliários, incorporadores e construtoras. Com infraestruturas urbanas estendidas, as terras foram valorizadas, e tornou-se possível e rentável a transformação de usos rurais em urbanos. A cidade explodiu horizontalmente e isso não se deu apenas a partir da produção da habitação pelo setor público para grupos de baixa renda, mas também pelo setor privado, com a oferta de produtos imobiliários para classes sociais diversas, como aqueles denominados condomínios fechados, loteamentos e bairros planejados, alguns imóveis inclusive com financiamento do MCMV. 

É importante ressaltar que com esse modelo de política habitacional, além da extensão da terra urbana desarticulada do tecido existente e com baixas densidades, a expansão urbana assumiu um carácter metropolitano ao ocupar áreas pertencentes a municípios vizinhos. Sem órgãos metropolitanos de controle do uso e ocupação do solo, e com estruturas administrativas fragilizadas nos municípios de menor porte, alguns empreendimentos aprovados pela esfera pública passaram apenas pela gestão campinense, o que vem gerando conflitos políticos, legais e administrativos. 

Os custos dessas urbanizações ficam para o poder público, que muito além dos serviços de coleta de resíduos sólido e transporte público, atendeu interesses do mercado em detrimento do interesse coletivo ao flexibilizar a legislação via decretos municipais e priorizar investimentos nessas áreas, em detrimento daquelas já existentes e sem infraestruturas urbanas consideradas adequadas. 

São questões que reforçam o impacto negativo do atual modelo de desenvolvimento, que fortalecem processos negativos de expansão urbana e especulação imobiliária com a promoção de empreendimentos habitacionais periféricos.

Quais caminhos são possíveis?

Não será possível enfrentar os problemas habitacionais do município enquanto o atual modelo de planejamento municipal não priorizar na agenda dos investimentos públicos a população periférica, periurbana, distrital e rural. O direito à cidade e a moradia adequada será disputado com muita dificuldade sem uma legislação comprometida com a garantia da função social da cidade e da propriedade.

Para enfrentar a problemática habitacional, as políticas públicas precisarão priorizar os projetos de urbanização de assentamentos populares, urbanização dos distritos, a regularização fundiária e a assistência técnica, em detrimento da construção de novas unidades habitacionais periféricas, que alimentam vetores especulativos de urbanização e comprometem as boas condições de habitabilidade e inserção urbana da população.

Além disso, é preciso romper com as práticas higienistas que removem ocupações, becos, vilas, comunidades e favelas.

Os projetos não podem repetir experiências negativas e deverão superar o planejamento tecnocrático formalizador, que não reconhece outras lógicas autoconstruídas. Para isso, será imprescindível que se construam soluções de infraestruturas mais sustentáveis, incluindo a participação dos moradores, com previsão de remoções e realocações mínimas, para áreas próximas às comunidades.

Será imprescindível, a curto prazo, a revisão da Política Habitacional Municipal, bem como da Lei Específica das  Zonas Especiais de Interesse Social, com: 

1) incorporação de comunidades subnotificadas; 
2) delimitação de áreas consolidáveis e não consolidáveis; 
3) criação de bancos de terras e instituição de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) Tipo 2, em áreas com melhores infraestruturas e próximas aos assentamentos populares; 
4) promoção de política habitacional no centro histórico, de comércio e serviços, onde se concentram edificações subutilizadas e ameaçadas pela demolição de edifícios históricos para construção de estacionamentos e edifícios verticais;
5) reconhecimento das necessidades habitacionais das comunidades rurais, urbano-rurais e distritos, com a promoção de políticas públicas de controle do uso e ocupação do solo e regularização fundiária que garanta um suporte territorial sem ameaçar os modos de viver e produzir nestes territórios.

*Jobson Brunno da Silva Lima é arquiteto e urbanista pela UFCG. Atualmente é pesquisador do Observatório das Metrópoles - Núcleo Paraíba e mestrando em Desenvolvimento Urbano na UFPE. 

** Lívia Miranda é arquiteta e urbanista, doutora em Desenvolvimento Urbano, professora no curso de Arquitetura e Urbanismo da UFCG e nos Programas de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da UFCG e Desenvolvimento Regional da UEPB. É coordenadora do INCT Observatório das Metrópoles - Núcleo Paraíba. 

***Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

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Edição: Carolina Ferreira