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Coluna

Governo Federal aumenta manicomialização no DF e enfraquece a reforma psiquiátrica

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Edital do MDS contempla repasse para 100 Comunidades Terapêuticas. - Foto: Ronaldo Caldas/ MEsp
Governo deixa de financiar serviços públicos e não-manicomiais

No início de abril, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), informou que iniciaria o repasse de verba pública às Comunidades Terapêuticas (CTs) habilitadas pelo Edital de Credenciamento nº 8/2023. Segundo o próprio MDS, serão contempladas neste primeiro repasse as 100 CTs mais bem classificadas das 585 CTs que foram habilitadas.

Os principais critérios classificatórios foram a disponibilização de vagas: para mães nutrizes; para mulheres; e vinculadas ao Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Ou seja, as CTs que disponibilizaram vagas para mães e seus bebês lactantes foram mais bem avaliadas, sendo 28 no total - e ocupando as 28 primeiras posições. Na sequência, vieram as 52 CTs com vagas femininas, totalizando 80 CTs que internarão mulheres (com seus bebês lactantes ou não). As 20 restantes desta primeira leva de financiamento se enquadram no Pronasci.

Como se sabe, a população predominante nas CTs é de homens, negros e pobres. Sendo assim, a presente medida busca ampliar a manicomialização e a violência das CTs para mulheres – predominantemente negras e pobres – e, pior, para os seus bebês lactantes – igualmente negros e pobres. 

No caso do DF, quatro CTs ficaram entre as 100 CTs mais bem avaliadas, recebendo já nesta primeira leva as verbas públicas do MDS. São elas: Obra Social Nossa Senhora da Glória - Fazenda da Esperança Santa Bakita, com vagas para mulheres; Sociedade de Empenho na Recuperação de Vidas, com vagas para mulheres; Associação Auxílio à Maternidade à Infância e Adolescência - Centro de Apoio CT Casa do Sol Azul, com vagas para mulheres; e INSTITUTO ABBAPAI, com vagas para o PRONASCI. Outras CTs do DF foram habilitadas, mas serão alvo de repasse posterior do MDS, conforme disponibilidade orçamentária.

Cabe ressaltar que uma delas, a Sociedade de Empenho na Recuperação de Vidas, já foi vistoriada e fiscalizada pelo Conselho Federal de Psicologia, estando presente no “Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas”, de 2011.

Na época, ela era a instituição financiadora e mantenedora da Fazenda do Senhor Jesus. De acordo com o relatório, foram encontrados os seguintes problemas e irregularidades: violação das correspondências às internas (todas elas eram abertas pela equipe da CT); proibição de comunicação por telefone; trabalho não pago, forçado; proibição de visitas íntimas e de relações homoafetivas; suspensão do direito de ir e vir até nove meses.

Segundo o Edital do MDS, o valor do repasse por vaga para pessoas adultas – homens ou mulheres – nas CTs é de R$1.172,23 por mês. E a contratação deverá estar limitada a, no mínimo, 10 e, no máximo, a 60 vagas por público específico. Ou seja, se cada uma das quatro CTs do DF ofertar o máximo de vagas, que é 60, serão repassados R$70.333,80 por mês e R$844.005,60 por ano para cada uma delas. Somando as 4 CTs, temos R$281.335,20 por mês e R$3.376.022,40 por ano.

A título de comparação, no mesmo nível de atenção das CTs na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que é o nível de atenção de caráter residencial transitório, temos as Unidades Acolhimento (UA).

No Brasil todo temos apenas 70 UAs e no DF somente uma, que presta assistência a 16 usuários com necessidades associadas ao consumo de drogas. De acordo com o Ministério de Saúde, o valor mensal médio das UAs é de cerca de R$32.143,00, com as UAs abarcando uma população semelhante à das CTs, só que sendo um serviço público e não-manicomial.

Ou seja, cada CT do DF pode receber um montante mensal que possibilitaria a manutenção de duas UAs. Só nesta primeira leva de financiamento às CTs pelo MDS, o governo poderia financiar mais oito ou nove UAs no DF.

A partir do exposto, o exemplo do DF é ilustrativo de que o atual governo não só prefere financiar serviços manicomiais, que segregam, aprisionam, quando não escravizam as pessoas, como amplia as vagas nestas instituições para mulheres – e seus bebês. Com isso, ele deixa de financiar serviços públicos e não-manicomiais, como as Unidades de Acolhimento, e os enfraquece, os deslegitima. Nisso, enfraquece e deslegitima a Reforma Psiquiátrica no DF.

Por isso, é necessário reforçar:

Pelo fim do financiamento público às CTs!

Pelo fim das CTs!

Pelo fortalecimento dos serviços substitutivos da RAPS!

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*Saúde Mental e Militância no Distrito Federal (SMM-DF) é um grupo vinculado ao Instituto de Psicologia da UnB, que visa potencializar a militância no campo da saúde mental.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Márcia Silva