Coluna

Cachaça pura

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Naquele tempo, nos bares de São Paulo, eram vendidas como pingas boas umas que hoje são consideradas ruins
Naquele tempo, nos bares de São Paulo, eram vendidas como pingas boas umas que hoje são consideradas ruins - Rovena Rosa/Agência Brasil
Então me traga uma caipirinha sem gelo, sem açúcar e sem limão

O que melhorou no Brasil nos últimos anos? Não, não estou falando de políticas sociais, direitos de minorias, essas coisas, que por sinal estão ameaçadas. E também não é de uns poucos anos para cá. Começou há décadas e foi progredindo.

O que estou pensando mesmo é nas bebidas. Sem dúvida elas melhoraram muito no Brasil neste período. Os vinhos nacionais, todo mundo reconhece, estão bem melhores. E a cachaça? Muita gente pensa que antes era melhor, mas na maioria não era. Pena que tanto o vinho como a cachaça ficaram caros demais.

Naquele tempo, nos bares de São Paulo, eram vendidas como pingas boas umas que hoje são consideradas ruins. Em alambiques pequenos de Minas Gerais e um ou outro lugar de várias regiões, tinha cachaças melhores, mas elas nem chegavam aqui. Eu tinha em casa porque trazia de Minas.

Nos botecos paulistanos havia quase só beberagens bem ruinzinhas… Lembro-me que no inverno de 1979, quando o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo estava no auge da agitação, eu ia lá fazer matéria para o jornal Em Tempo, e para rebater o frio tinha que tomar umas cachaças. E o que a gente tomava? Eram pingas bem ruinzinhas. Quem tomava 51 era chamado de burguês pelos sindicalistas… Vejam só.

A cachaça era desprestigiada, considerada bebida de pobre. E com o preconceito existente, diziam também que era bebida de negro. Os preconceituosos juntavam aí dois preconceitos: cachaça e negro, como ruins. Para muita gente, pegava mal tomar cachaça, a não ser sob a forma de caipirinha. Até em cidades do Nordeste encontrei bares que tinham preconceito contra ela. Muitos deles não vendiam pinga pura.

Cito como exemplo a primeira vez que fui à Paraíba, em janeiro de 1978, com uma turminha de amigos. Depois de uns dias no interior, fomos para João Pessoa. Nessa época, a cidade era bem menor e praticamente não havia prédios de apartamentos na orla.

Fomos a um bar perto da praia de Tambaú, com amigos paraibanos, algumas pessoas pediram cerveja, outras pediram caipirinha e eu pedi cachaça e cerveja. O garçom disse que aquele bar “não trabalhava” com cachaça.

— Uai… Pediram caipirinha e você disse que tem — protestei.

— Caipirinha é diferente — respondeu ele, na maior cara de pau.

Olhei sério pra ele e pedi:

— Então me traga uma caipirinha sem gelo, sem açúcar e sem limão.

Ele trouxe!

Edição: Júlia Rohden