Violência

Parlamentares e manifestantes se queixam de uso excessivo da força em ato contra PEC

Para advogado, episódio aponta para um risco ainda maior de endurecimento no trato com as forças populares

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Ação policial durante protesto contra a PEC 55 na última terça-feira (29) em frente ao Congresso Nacional
Ação policial durante protesto contra a PEC 55 na última terça-feira (29) em frente ao Congresso Nacional - Fabio Pozzebom/Agência Brasil

A reação policial à manifestação ocorrida na última terça-feira (29) em Brasília (DF), que incluiu o uso de cassetetes, bombas de gás lacrimogênio e spray de pimenta, despertou a atenção de diversos parlamentares e movimentos populares, que consideraram o uso dos artefatos indiscriminado e arbitrário. O assunto também teve ampla repercussão nas mídias sociais, com diversos relatos de pessoas atingidas pelas bombas.

Para o advogado Patrick Mariano, que é mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB), o episódio aponta para um risco ainda maior de endurecimento no trato com as forças populares. Ele também associa o ocorrido às práticas resultantes da aplicação do receituário neoliberal.

“O que se viu na terça foi um prenúncio do que ainda pode acontecer de pior nos próximos meses. O que está em jogo é a implementação de uma retirada profunda de direitos, e ninguém consegue impor uma pauta neoliberal com essa profundidade sem contestação. Não se retiram direitos da noite para o dia sem que as pessoas se indignem. A opção política e econômica que o país está tomando necessita de um grande aparato repressor, porque eles só conseguem praticar esses ataques se for dessa forma. Foi assim em vários países onde se optou por uma radicalidade neoliberal”, analisa o advogado.

Mídia e violência

Para Mariano, o excessivo uso da força pela polícia estaria intrinsecamente associado à atuação dos meios de comunicação de massa. “Antes de qualquer apuração dos fatos, os grandes jornais já colocavam a culpa nos manifestantes. Você tinha a repressão na rua e, ao mesmo tempo, a cobertura jornalística atribuindo a responsabilidade às pessoas, sem discutir se aquela forma de atuação policial era cidadã e proporcional. É o mesmo que ocorreu nos protestos de junho de 2013 em São Paulo (SP), por exemplo”, recorda.

O advogado destaca que a aliança entre a mídia tradicional e as forças conservadoras representa riscos para o sistema democrático.

“Esse é um dos lados mais preocupantes do problema, porque trata de um conluio. Há uma repressão violenta e, ao mesmo tempo, a chancela pelos grandes meios de comunicação. Você vê nos jornais que os principais termos usados sobre o ato em Brasília eram ‘vandalismo’, ‘depredação’, etc. Então, são escolhas ideológicas de cobertura que acabam não só justificando como incentivando a repressão. Assim, os policias que vão pras ruas hoje se sentem completamente referendados para praticar violência”, considera o advogado.

Liberdade de expressão

O debate sobre a criminalização das lutas populares e das forças progressistas em geral também traz à tona a discussão sobre o direito à liberdade de expressão. Mariano destaca que se trata de uma garantia prevista pela Constituição Federal de 1988.

“Ela não só protege o direito de manifestação, como vê a reivindicação de direitos como uma questão de cidadania. Quando a Constituição coloca como elemento central do texto a dignidade da pessoa humana, ela está nos dizendo que essa dignidade também não pode ser ameaçada. E essas ações de retirada de direitos atentam contra a dignidade. Então, não só é justo, como é uma ação constitucionalmente assegurada. Numa democracia, o direito à manifestação é absoluto”, explica o advogado.

Para o grupo de parlamentares que tentou uma negociação com a polícia durante o ato de terça-feira na capital federal, as reações das forças de segurança apontam para um crescente sufocamento do direito à livre manifestação.

“Era um ato democrático e pacífico e, se em algum momento há pessoas infiltradas ou algum manifestante que tenha se excedido, cabe à polícia retirar a pessoa de lá, mas não sair prendendo indiscriminadamente nem reprimir toda a manifestação. É um verdadeiro ataque ao direito de expressão, e isso vem se intensificando”, considerou o deputado federal João Daniel (PT-SE).

Prisões

João Daniel é um dos parlamentares que acompanharam o caso do estudante da UnB Bruno Leandro de Oliveira Maciel, que foi detido pela polícia durante o protesto e teve liberação somente no dia seguinte, após uma audiência judicial.

Atuante nas atividades de ocupação estudantil naUniversidade e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Bruno contou que foi detido quando retirava algumas pessoas que se machucaram durante o protesto.

Ele relatou ainda que chegou a ser encapuzado e levado para um lugar não identificado, onde teria sofrido agressões físicas e psicológicas. Em nota divulgada após o ocorrido, o MST repudiou a ação policial e qualificou as reações dos agentes como “uma operação de guerra”.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o dirigente do MST/DF Marco Antonio Baratto atribuiu a prisão ao contexto de avanço conservador, que estaria diretamente relacionado à criminalização das manifestações populares em geral.

“O fato de Bruno ser do movimento pode ter contribuído pra ele ter sofrido uma agressão mais pesada e ter ficado mais tempo preso do que os outros, até porque durante o ato ele usava uma camisa do MST. (…) A polícia alegou que ele teria se recusado a assinar o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), mas ele falou pra gente que esse documento sequer chegou a ser apresentado a ele”, narrou o dirigente.

Segundo balanço da União Nacional dos Estudantes (UNE), 21 estudantes chegaram ser detidos durante o protesto contra PEC em Brasília.

Reações

Nessa quarta-feira (30), o Núcleo Agrário do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara Federal oficiou as presidências da Câmara e do Senado para pedir esclarecimentos sobre a atuação da polícia durante o ato, inclusive por conta da prisão de Maciel, que foi detido inicialmente por agentes da Polícia Legislativa do Senado e levado para o Departamento de Polícia Especializada do DF.

Entre outras coisas, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara também se movimentou para buscar a responsabilização pelos excessos policiais. O presidente do colegiado, deputado Padre João (PT-MG), oficiou o governador do DF, Rodrigo Rollemberg, para solicitar uma audiência.

Ele também notificou os Ministérios Públicos Federal (MPF) e Distrital (MPDFT) para solicitar providências diante do ocorrido. Até o momento as instituições não deram resposta oficial.

Senado

O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa do Senado para tratar do ofício enviado pelo Núcleo Agrário a respeito da conduta dos agentes da Polícia Legislativa. Em nota, a instituição informou que o estudante da UnB foi conduzido à polícia porque estaria incitando outros manifestantes a praticarem danos.

“O procedimento criminal lavrado pela Polícia do Senado Federal foi encaminhado à Justiça do DF e comunicado à Defensoria Pública e ao Ministério Público”, informou a nota.

Governo

Com relação às críticas feitas aos agentes de polícia do DF, a Secretaria de Segurança Pública do DF afirmou logo após o protesto que “a Polícia Militar agiu dentro dos padrões técnicos para o enfrentamento desse tipo de situação e procurou preservar o patrimônio e a segurança das pessoas”.

A pasta informou ainda que serão feitas investigações sobre danos ao patrimônio e sobre ações violentas a partir de imagens que estão em posse dos órgãos de segurança.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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