Coluna

O rachador de Lenha

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A lenha era comprada por metro cúbico, vinha em carros de boi ou, às vezes, em caminhões.
A lenha era comprada por metro cúbico, vinha em carros de boi ou, às vezes, em caminhões. - Dulce Maria Alcides Pinto; José Joaquim de Souza (IBGE)
Pra fazer esse serviço duro pra danar tinha gente como o Zé Geraldo

Há um bom tempo, vi na casa de um amigo, pregado na porta do banheiro, um diploma de datilógrafo. Sim, existia isso. Não só não existe mais o curso de datilografia como não existe também a profissão de datilógrafo. 

Aí fui me lembrando de outras profissões que não existem mais. E minha memória me levou ao meu conterrâneo Zé Geraldo, rachador de lenha. 

Em Nova Resende, na minha infância, só umas 3 ou 4 famílias tinham fogão a gás. Quase todo mundo só tinha fogão a lenha. 

A lenha era comprada por metro cúbico, vinha em carros de boi ou, às vezes, em caminhões. E vinham juntos com a lenha já na grossura adequada para pôr no fogão um monte de toras grossas, que tinham que ser rachadas.  

Pra fazer esse serviço duro pra danar tinha gente como o Zé Geraldo. 

Pobre e humilde, ele morava numa casinha de fundos cedida por um farmacêutico, e ganhava um dinheirinho curto dando machadadas o dia inteiro. Transformava toras em lenha na “grossura” certa para ser queimada.  

Já estava velho e tinha que fazer esse serviço pra sobreviver. 

Eu gostava de ver era a hora do almoço, quando o Zé Geraldo ia rachar lenha lá em casa.  

Minha mãe tentava, todas as vezes, convencer o Zé Geraldo a almoçar junto com a gente. Não aceitava de jeito nenhum.  

E só aceitava seu pratão de comida necessário para repor as energias depois que todo mundo tivesse comido. Lembro-me do diálogo de todas as vezes: 
— Zé Geraldo, olha aqui sua comida. 
— A senhora já comeu? – ele perguntava. 

Ela dizia que sim, e ele continuava perguntando se meu pai e as crianças também já tinha almoçado... 

Só depois de a minha mãe garantir que todos já tinham almoçado é que ele aceitava um pratão de arroz com feijão e alguma mistura, como se estivesse recebendo um favor. 

E insistia: 
— Não vai fazer falta para as crianças?  

Negaceava bastante antes de aceitar a comida, temendo que fosse fazer falta para os outros. Ele mesmo se colocava no último degrau da hierarquia social, nos direitos, que incluíam, claro, o direito à comida.  

Nós não tínhamos animais de estimação, mas desconfio que quando o Zé Geraldo rachava lenha para gente que tinha, devia perguntar: 
— Não vai fazer falta pro cachorro? 

Não é só a profissão de rachador de lenha que não vejo mais: será que ainda tem gente como Zé Geraldo por aí?  

Edição: Daniela Stefano