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Ex-coordenador do Mais Médicos relativiza entusiasmo do governo com último edital

Anúncio de que vagas do programa estão 100% ocupadas ignora índice de desistências e vagas que já estavam ociosas

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"Médico não durou 15 dias no posto", conta moradora do Itaim Paulista (SP), sobre a desistência de profissional do Mais Médicos
"Médico não durou 15 dias no posto", conta moradora do Itaim Paulista (SP), sobre a desistência de profissional do Mais Médicos - Divulgação/Opas/OMS

As vagas disponíveis no Programa Mais Médicos para inscrições até esta quinta-feira (14), foram preenchidas em menos de uma hora na quarta-feira (13). A informação foi da assessoria de imprensa do Ministério da Saúde.

Os postos, segundo o ministério, são os últimos dos 8.517 do Mais Médicos, após a saída dos médicos cubanos do programa, em novembro de 2018.

Dois editais foram lançados desde final de novembro, porém até a semana passada 667 municípios seguiam há quase 90 dias sem 1.462 médicos – número de profissionais informado pelo Ministério da Saúde em 6 de fevereiro - para atender. Na semana passada, a expectativa da pasta era de que todas as vagas ociosas fossem preenchidas pelos 3.828 médicos brasileiros formados no exterior, inscritos e aptos a participar do programa. Eles tinham até as 18h desta quinta-feira (14) para escolher as cidades de atuação, no entanto na quarta-feira (13) antes das 9 horas todas as vagas haviam sido preenchidas.

O Ministério da Saúde informa que no próximo dia 19 de fevereiro divulgará a lista final dos médicos alocados, que deverão se apresentar nos municípios. Algumas eventuais desistências de profissionais que escolheram as cidades onde deverão atuar poderão ser medidas ainda este mês, outras somente em abril, conforme alerta Felipe Proenço, que foi coordenador nacional do Mais Médicos e diretor do Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde do Ministério da Saúde, na gestão Dilma Rousseff, entre 2013 e 2016.

“Primeiro eles terão que passar por uma formação e avaliação nos protocolos do SUS, têm de ser avaliados por professores de Medicina, para depois irem para os municípios. Eles irão chegar lá em abril e realmente vão querer ficar?”, questiona.

Considerando estimativa do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), segundo a qual cada médico de uma equipe de Saúde da Família deve atender cerca de 3 mil pessoas, a demora no preenchimento das vagas atinge aproximadamente 4,2 milhões de brasileiros.

Médicos cubanos

Cerca de 2 mil médicos cubanos que já atuavam no programa e permaneceram no Brasil também não deverão mais ser convocados, à diferença do que havia sinalizado o governo Bolsonaro. O presidente afirmou que reincorporaria os profissionais ao programa, mas agora disse que estuda apenas uma ação de ajuda humanitária para os médicos cubanos, que têm trabalhado como vigias, empacotadores de supermercados e em outros serviços gerais.

Sobre isso, o Ministério da Saúde Pública de Cuba lançou nota na última terça-feira (12) se dispondo a receber os profissionais que permaneceram no Brasil. O Ministério da Saúde Pública de Cuba, ratificou em nota que, “como tem feito para o que estiveram em outros países, está disposto a recebê-los na Pátria e oferecer-lhes emprego no Sistema Nacional de Saúde cubano”. O órgão ressalta ainda que Embaixada de Cuba e consulados no Brasil estão prontos para apoiar o retorno dos médicos cubanos, “fornecendo a documentação necessária e ajudando em qualquer coisa que esteja ao seu alcance”.

Desistências

Enquanto isso, em locais como a Unidade Básica de Saúde Dom João Nery, no Itaim Paulista, periferia da zona Leste de São Paulo, a substituição da vaga deixada por profissional cubana por médico brasileiro durou apenas 15 dias, conforme relata a paciente Tereza. “Tem um médico que chamava Diego e já se demitiu. Eu sei porque eu frequento o posto e eu outro dia fui lá... Já não tem mais médico lá. Para a nossa área está sem médico. Ele não durou 15 dias no posto. Não sei o que aconteceu, ele se demitiu e na nossa área não tem mais médico”.

Na avaliação de Proenço, a desistência de médicos brasileiros não é incomum. “Pelo comportamento de outros editais, considerando que esse atraiu muito médicos recém formados em novembro/dezembro, estimo que 5% a 10% desistam”. Sua análise se baseia na proximidade do final do mês, período em que os médicos são convocados para iniciar a Residência em 1º de março.

Segundo ele, a informação de que as vagas foram todas preenchidas precisa ser melhor destrinchada.

A lei que instituiu o Mais Médicos determina que a prioridade de chamamento deve obedecer à ordem de médicos com CRM (registro no Conselho Regional de Medicina), depois brasileiros formados no exterior e, por último, médicos estrangeiros.

Para o médico, para cobrir as vagas do Mais Médicos, acabaram criando outras. “Em termos de brasileiros estima-se que um pouco mais de 6 mil vagas foram preenchidas. Isso a partir de dois editais e mesmo assim sabe-se que, conforme informações do Conasems [Conselho Nacional de Secretários de Saúde] dos brasileiros que preencheram essas vagas já estavam na [Equipe de Estratégia] Saúde da Família, ou seja, cobriram um santo e descobriram outro. Foram para o Mais Médicos, mas outras equipes de Saúde da Família ficaram sem esse profissional [médico]”.

Proenço atenta ainda para o fato de que em áreas mais vulneráveis, como os distritos indígenas, as vagas não foram preenchidas. Outra questão lembrada pelo médico refere-se a vagas que já estavam ociosas antes da saída dos profissionais cubanos. “Haviam 2 mil vagas do programa Mais Médicos que estavam sem médicos, antes da saída dos cubanos, e não entraram nesses editais. Então, realmente, afirmar que as vagas foram ocupadas por brasileiros demanda analisar várias questões, que demonstram que o buraco é mais embaixo e que o Brasil perdeu uma grande oportunidade de seguir com médicos que estavam desenvolvendo uma boa atenção à saúde da população, principalmente nas áreas mais vulneráveis”, finaliza.

Sem Revalida

Sem previsão de novo processo do Revalida – a última ocorreu em 2016 – muitos brasileiros formados fora do país também estão sem opção de trabalho. O médico cearense Francisco Jefersson Ribeiro Ferreira é um destes casos. “Tinha expectativa de trabalhar na cidade vizinha, onde havia duas vagas, em Itatira, mas se fosse o caso eu trabalharia em outra região do país, inclusive áreas indígenas, comunidades ribeirinhas, quilombolas”, declarou o médico que se formou no ano passado.

Desapontado, o médico formado em Cuba disse que sua esperança era ingressar no Programa Mais Médicos. "A outra alternativa seria fazer a prova para revalidar o meu título, o que acontece é que até hoje o governo não se pronunciou para falar do Revalida", finaliza.

Edição: Mauro Ramos