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Paraíba: hospital psiquiátrico é fechado após constatações de tortura e maus tratos

Instituto de Psiquiatria da Paraíba (IPP) teve avaliação considerada “péssima” pelo governo

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Instituto de Psiquiatria da Paraíba (IPP) - instituição privada, mas com todos os leitos financiados pelo SUS
Instituto de Psiquiatria da Paraíba (IPP) - instituição privada, mas com todos os leitos financiados pelo SUS - Foto: Loucid/UFPB

O Instituto de Psiquiatria da Paraíba (IPP) -- instituição privada, mas com todos os leitos financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) -- foi fechado após passar por uma inspeção do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH) 2006/2008, obtendo a pontuação 56,76%, considerada “péssima/ruim” de acordo com os critérios mínimos estabelecidos pelo referido programa do governo federal.

A notícia veio da Coordenação Estadual de Saúde Mental, órgão ligado à Secretaria de Saúde da Paraíba (SES-PB) em reunião no dia 16 de abril. Na dada inspeção, o IPP foi identificado como local com condições insalubres de higiene e responsável por maus tratos e torturas a pacientes.

Segundo o Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania da Universidade Federal da Paraíba (LouCid/UFPB), vários pacientes receberam alta, inclusive os chamados “moradores” (pessoas que ali estavam internadas há anos e que perderam os vínculos familiares, dentre outras situações) -- os últimos deles(as) foram retirados da instituição em 03 de abril. Alguns foram realocados para o Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira (CPJM), hospital psiquiátrico sob a gestão da SES-PB.

Para Ludmila Correia professora de Direito e integrante do LouCid, o fechamento definitivo desses leitos é uma importante medida, que está em conformidade com os princípios da Reforma Psiquiátrica brasileira e com as disposições da Constituição Federal, da Lei federal nº 10.216/2001 e da Lei estadual nº 7.639/2004.

“Tendo em vista que tal legislação proíbe a internação de pessoas em sofrimento mental em instituições com características asilares, o fechamento do IPP significa a garantia dos direitos humanos dessas pessoas, as quais merecem atenção e cuidado em liberdade, através dos diversos serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial no estado da Paraíba”, destacou Ludmila.

Professora Ludmila Correia | Foto: Divulgação

Tortura, insalubridade e maus tratos

Após inspeção do PNASH 2006/2008, o IPP teve um prazo de 90 dias para readequação às normas de assistência psiquiátrica. Porém, a instituição deixou o prazo transcorrer sem adotar as devidas providências, até que em 15 de março de 2018, foi descredenciada do SUS pela Secretaria de Saúde de João Pessoa, atendendo à recomendação do Ministério Público Federal (MPF).

Tal procedimento foi baseado nos relatórios da vistoria conjunta realizada no ano anterior pelos Conselhos Regionais de Psicologia, Medicina, Enfermagem e de Serviço Social da Paraíba, Coordenação de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde da Paraíba, Agência Estadual de Vigilância Sanitária e Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, além de uma vistoria pelo próprio MPF.

Na inspeção realizada em 2017, consta que o local era sujo e fétido, não havia higiene nos refeitórios e banheiros, o chão estava sempre molhado e sujo, havia infiltrações e goteiras no telhado. Além disso, os pacientes sofriam torturas e maus tratos, relatados em detalhes por egressos do IPP que, em meio às crises mais acentuadas, eram arrastados até um local que chamavam de “Coréia”, uma ala em que os pacientes com problemas psiquiátricos mais graves eram mantidos em condições de degradação humana. As condições em que viviam as pessoas configuravam graves violações aos seus direitos, amparados pela Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais.IPP fechado | Foto: Divulgação

Ainda assim, o IPP recorreu ao Judiciário estadual para reverter o descredenciamento, obtendo uma medida liminar parcial da 6ª Vara da Fazenda Pública da Justiça Estadual para manutenção dos custos de internação dos pacientes que estavam internados. A ação foi remetida à Justiça Federal, após atuação do MPF, uma vez que o ato que indicou o descredenciamento do IPP ocorreu a partir de avaliação coordenada pelo Ministério da Saúde, logo, esfera federal.

Alessandra Gomes, coordenadora de Saúde Mental do município de João Pessoa, explica que os laudos municipal e estadual da vigilância sanitária apontavam que eram necessárias grandes ações para que aquele local pudesse funcionar. "Esses laudos deram poder ao Ministério Público federal para dar orientações e determinações para que houvesse o descredenciamento daquele local. E agora em abril foram retirados os últimos pacientes que estavam la há dez ou 15 anos em situação insalubre", conta a coordenadora.

A professora Ludmila destaca a atuação da sociedade civil organizada, através de movimentos e coletivos antimanicomiais, grupos de usuários, familiares e trabalhadores da saúde mental e o LouCid/UFPB, que pautaram o tema junto às diversas esferas da sociedade. Órgãos de comunicação e entidades de defesa dos direitos humanos, Defensoria Pública da União, Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional da Paraíba, bem como junto à Câmara Municipal de João Pessoa, que promoveu uma audiência pública no dia 9 de maio de 2018 com ampla participação social, na qual foi debatido o descredenciamento do IPP.

“O não financiamento público de leitos em hospitais psiquiátricos e o fechamento de uma instituição total, de caráter asilar, e que desrespeita e retira direitos humanos de pessoas em situação de sofrimento mental, é uma vitória de um projeto de saúde mental pública e humanizada, fruto da Reforma Psiquiátrica baseada na luta antimanicomial e em diálogo com os diversos segmentos e atores sociais desse campo”, pondera Ludmila.Ela acrescenta que o fechamento dessas instituições asilares criam demandas da sociedade para que o poder público amplie e fortaleça os serviços substitutivos de saúde mental, como os CAPS, que integram a Rede de Atenção Psicossocial. Segundo o Boletim Saúde Mental em Dados de 2015, do Ministério da Saúde, a Paraíba é um dos estados com maior cobertura de CAPS da federação.

Edição: Cida Alves