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As mulheres e Bolsonaro: nós sim, ele não!

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Mulheres tomaram as ruas do país em setembro e outubro do ano passado para repudiar a então candidatura de Bolsonaro
Mulheres tomaram as ruas do país em setembro e outubro do ano passado para repudiar a então candidatura de Bolsonaro - Luiz Rocha/ Mídia Ninja
Fizemos, pois, de nosso grito, nosso brado, um alerta e um chamamento

Há um ano protagonizamos o que foi o maior protesto já realizado por mulheres no Brasil, e a maior concentração popular durante a campanha da eleição presidencial.

Há um ano gritamos ao mundo, de todas as regiões do país, que não tolerávamos a candidatura à Presidência de um homem que faz declarações misóginas. Um homem que proferiu ameaças à democracia e afirmou a uma colega de parlamento que não a estupraria porque é muito feia.

Um homem que disse que seus filhos não namoram mulheres negras porque foram “muito bem educados”, que as mulheres devem ganhar menos porque engravidam, que prefere que o filho morra num acidente de trânsito a ser homossexual, que os negros dos quilombos não servem nem para “procriar” e que tem um coronel torturador como herói.

Há um ano dissemos não a ele. Ele não!

Não eram apenas mulheres ligadas à esquerda, mas que, de algum modo, compreendiam quais poderiam ser as consequências da irresponsabilidade de uma escolha como a que se desenhava. Algumas em focos de cidadania organizados e consolidados, outras que se insurgiram naquele momento.

Os atos reuniram cidadãs que assumiram a incumbência de participar e de pressionar por outro caminho para dirigir o país.

Eleito, a atuação de Jair Bolsonaro é considerada uma verdadeira afronta aos direitos humanos, em geral, ao meio ambiente, à cultura e à educação, ao Estado laico, aos direitos trabalhistas, às liberdades individuais, aos povos tradicionais.

Tem sido duro e exaustivo acompanhar cada passo dado para trás pelo governo: da revisão dos processos de anistia às ameaças e perseguições político-ideológicas, que levaram mulheres e homens que lutam para transformar realidades, como Márcia Tiburi e Jean Wyllys, a deixar o país.

Há um ano dissemos não a ele. Mas não estávamos profetizando nada.

Bolsonaro, em essência e inteiramente, nos forneceu todas as informações do que seria a realidade de um governo seu. Não havia necessidade de ser decifrado.

Nos instou a dizer se queríamos habitar seu mundo binário, onde se encontravam a tirania, o machismo, o racismo, a homofobia e a misoginia, em contraste com a defesa de valores humanitários básicos.

Fizemos, pois, de nosso grito, nosso brado, um alerta e um chamamento do que não pode caber na ideia de democracia, como o escárnio público e o deboche que apontam que nós, mulheres, não merecemos sequer respeito.

Já governante, quando convidou, em abril deste ano, turistas a virem ao Brasil e “ficarem à vontade se quiserem fazer sexo com uma mulher”, Bolsonaro deu a senha de que nos enxerga como objetos, utilizáveis, como se pudesse dispor de nossos corpos.

Como habitantes deste imenso pedaço de mundo chamado Brasil, sabemos que estamos incluídas no coletivo de todos que acreditam e lutam por um país plural, diverso e mais igual.

Um ano depois de termos ocupado as ruas, nos encontramos, de certo modo, paralisadas pelo formato dado ao debate público.

Polemizamos pelas redes o “direito de vestir azul” como sendo a contenda central do enquadramento da discussão de gênero, que passa, na verdade, por uma fixação muito mais profunda de novos padrões de moral e costumes, com protagonismo das igrejas evangélicas e adentrando às escolas.

Em tempos que desafiam nossa capacidade de prosseguir e nosso senso de realidade, que nos atingem nesse festival de intolerância, opressão e medo, em que as políticas para mulheres são ridicularizadas e desprestigiadas pela voz de uma ministra que responde aos problemas com frases de efeito de fundamentalismo religioso, precisamos de novo gritar: Ele não!

Em tempos em que o governo é como uma maldição, condenando tudo a fenecer, como um bando de gafanhotos em um campo de trigo – para usar a metáfora bíblica que tanto gosta a ministra Damares - precisamos mostrar que seguimos e seguiremos.

Sair do marasmo e reencontrar nosso aprendizado, reinventando os mecanismos de ocupação do espaço público, nas ruas e fora delas, para afirmar nosso compromisso essencial com nossa agenda de conquistas.

Nosso presente é assustador e, por isso mesmo, muito desafiante. Na catástrofe posta, estamos em guerra. Uma guerra que possui muitos elementos, inclusive a linguagem.

Na batalha das narrativas, existem as ferramentas que falseiam a realidade e prestam informações distorcidas, que nos indicam que é necessário construir - outra vez e coletivamente - respostas que não sejam as do individualismo.

Não custa lembrar sempre que “em tempos de guerra, a primeira vítima é a verdade”.

Edição: Geisa Marques