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Lula e os "adevogados"

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Eu saí do sul de Minas há mais de meio século, mas mantenho o modo de falar dos caipiras legítimos, sem R no final dos verbos. Pronuncio falá, fazê, namorá, viajá... - Unsplash
Certas coisas não são erros, são formas regionais de se pronunciar

Há uns meses, o ex-presidente Lula, numa entrevista, falou sobre seu advogado, só que pronunciou "adEvogado". Uma apresentadora de televisão, da Globo News, ironizou a fala dele por isso, e caíram de pau em cima dela, como preconceituosa.

Acho que ela é carioca. Se fosse paulista, saberia que essa pronúncia é muito comum em São Paulo, e o Lula vive aqui desde criança. Eu conheço vários paulistas que dizem se chamar "Edegar", quando a pronúncia considerada correta seria Edgar.

Certas coisas não são erros, são formas regionais de pronunciar. Por exemplo: no Nordeste a palavra que no Sul pronunciamos "trancuílo", eles pronunciam "trankilo". Os cariocas dizem que o fulano foi "pégo", quando a pronúncia original seria "pêgo". E a palavra extra, que era pronunciada "ÊSTRA" originalmente, virou "ÉSTRA".

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Eu saí do sul de Minas há mais de meio século, mas mantenho o modo de falar dos caipiras legítimos, sem R no final dos verbos. Pronuncio 'falá', 'fazê', 'namorá', 'viajá'... e acho feia a pronúncia de gente das mesmas origens que eu forçando o R no final do verbo... 'falarrr', 'fazerrr', 'namorarrrr', 'viajarrr'...

Bom, mesmo sendo de origem caipira eu também estranhava isso de chamar advogado de "adEvogado", Edgar de "EdEgar"... Tive um professor de matemática muito bom, mas achava muito esquisita a pronúncia dele quando ditava problemas para a gente resolver. Falava mais ou menos assim: para se "obEter" o valor de um "obEjeto"...

Num dos lugares em que trabalhei, onze colegas eram formados em Direito e nenhum deles dizia que era advogado. Todos pronunciavam "adEvogado".

Outra coisa que sempre estranhei aqui... essa até hoje não me acostumei, me dói nos ouvidos quando escuto, é falar da alface no masculino. Já vi muitos paulistas bem formados falarem "O alface". Num boteco que frequentava antes da pandemia, a garçonete falava assim, "O alface", em vez de a alface.

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De tanto eu encher a paciência dela, começou a falar A alface, pelo menos perto de mim. Num sábado à noite, fui ao boteco e brinquei que queria comer feijoada. Brincadeira. Velho comer feijoada à noite é quase tentativa de suicídio. Perguntei pra ela, brincando: “Cida, ainda tem feijoada?”.

Ela respondeu: “Feijoada tem, mas acabou O couve”.

O couve? Mais uma pra minha coleção de horrores verbais.

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Douglas Matos