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Foi a Roma e não viu o Papa

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Eu nunca fui a Roma, mas se tivesse ido muito provavelmente poderia falar que fui a Roma e não vi o Papa, porque teria outras prioridades lá - Vaticano / Divulgação
Muitas pessoas só vão querer ver as grandes atrações nas cidades dos outros

Quando alguém vai a algum lugar e não vê o que tem de principal lá, dizem que ele foi a Roma e não viu o Papa. Uma grande burrice.

Eu nunca fui a Roma, mas se tivesse ido muito provavelmente poderia falar que fui a Roma e não vi o Papa, porque teria outras prioridades lá.

Mas reparo há muito tempo que muitas pessoas só vão querer ver as grandes atrações nas cidades dos outros. Nas delas mesmo, nem pensam em conhecer.

Cito alguns exemplos: muitos cariocas nunca subiram o morro do Corcovado, onde fica o Cristo Redentor, não andaram no bondinho da Urca, e conheci carioca que nunca foi ao Maracanã!

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Em São Paulo, quanta gente nunca foi ao morro da Cantareira? Quantos nunca foram ao Jardim Botânico e ao Museu do Ipiranga?

Bom... Eu também cometi erros desse tipo, um deles acho que foi o pior.

Numa época em que viajava muito pelo Nordeste, estava em Recife e me apareceu uma carona de caminhão até a cidade de Paulo Afonso, na Bahia. Era estudante de Geografia e sonhava conhecer a cachoeira que tem esse nome e fica ao lado da cidade.

Acontece que eu viajava quase sem dinheiro e tinha me hospedado num mocambo, uma favela ao lado de um mangue e, acho que por causa da água contaminada em que tomei banho, me entrou um pouco na boca, peguei uma febre desgraçada.

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A minha língua ficou amarela e com uma casca grossa. E fui ficando rouco de tudo, chegando a um ponto em que abria a boca e a voz não saía.

Aí, como se diz, danou-se! Motorista de caminhão dava carona porque queria conversar, e um caroneiro calado não valia nada. Pensei que logo ele me poria pra fora do caminhão. Paramos num posto e ele perguntou se eu queria alguma coisa, que ele pagava. Pedi, com um sussurro forçado, um conhaque de alcatrão. Serviam uma dose caprichada, eu tomei e soltei a voz.

Conversamos um tanto, até minha voz começar a ratear de novo. Ele parou no posto seguinte e me pagou mais uma dose de conhaque de alcatrão. Assim foi indo, durante umas dez horas de viagem. Resultado: cheguei à cidade de Paulo Afonso completamente bêbado e em vez de ficar lá pra ver a cachoeira peguei outra carona pra Salvador.

Enfim, fui a Paulo Afonso e não vi a cachoeira. Pra mim, coisa pior do que ir a Roma e não ver o Papa.

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Douglas Matos