MPF INVESTIGA

Indígena que denunciou tortura de servidor da Funai apoia deputado madeireiro em Rondônia

Denúncia expõe ligações entre parlamentar aliado de desmatadores e liderança indígena de TI afetada por extração ilegal

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

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Indígenas denunciam ameaça de morte e intimidação durante operação de combate ao desmatamento ilegal - Fernando Augusto / Ibama

O Ministério Público Federal de Rondônia (MPF-RO) investiga uma denúncia de tortura supostamente cometida em maio do ano passado contra indígenas da Terra Indígena (TI) em Porto Velho (RO), um dos pólos de extração ilegal de madeira no país. A investigação foi tornada pública neste domingo (29) pelo site Metrópoles.

Uma carta assinada por 92 indígenas afirma que os atos de violência teriam sido praticados por um servidor da Funai e policiais militares ambientais. O documento, divulgado pelo Metrópoles, afirma que os agentes públicos “invadiram” o território e “abordaram, torturaram fisica e psicologicamente, além de ameaçar de morte apontando uma metralhadora para a cabeça de um morador local”. 

Ainda conforme a denúncia, um trator usado pela comunidade e estacas de madeira teriam sido queimados durante a ação. O relato foi encaminhado ao MPF-RO em junho de 2021 e transformado em inquérito civil em abril deste ano. 

Nos últimos cinco anos, órgãos ambientais e forças de segurança, junto com a Funai, têm feito operações de fiscalização no território Karitiana, alvo frequente de extração e comércio ilegal de madeira desde a década de 90. 

O servidor da Funai citado na denúncia, Hércules Silva Schiave, disse que foi à TI aquela noite para participar de uma dessas operações. Ao MPF, o servidor de carreira classificou as alegações como calúnia e afirmou que elas são uma forma de retaliação ao combate aos crimes ambientais. 

Liderança diz trabalhar para deputado madeireiro

A denúncia foi feita pelo presidente da Associação do Povo Indígena Karitiana (APK), Cledson Pitana Karitiana. Em uma rede social, Karitiana diz ser, desde 2019, assistente técnico do deputado estadual de Rondônia José Eurípedes Clemente (MDB), mais conhecido como Lebrão. O Portal da Transparência informa que Karitiana trabalha, na verdade, na Comissão dos Direitos Humanos e Cidadania do Legislativo estadual. 

Na biografia disponível no site da Assembleia Legislativa de Rondônia (Alep-RO), Lebrão descreve ter entrado na política pelas mãos da influente “comunidade madeireira” da região de Porto Velho. 

Apoiador do governador bolsonarista Marcos Rocha (PSL), ele cumpre o terceiro mandato como parlamentar na Alep. Lebrão já foi empresário do ramo madeireiro e atuou no transporte da madeira extraída de uma das regiões mais desmatadas da Floresta Amazônica.

Ele saiu do seu estado natal, São Paulo, para se fixar em Rondônia em 1998, quando abriu uma serraria. “Devido ao novo empreendimento”, diz a biografia, “Lebrão necessitava derrubar árvores”, o que “gerou alguns problemas com os órgãos de fiscalização ambiental”. Ao mesmo tempo, o texto garante que o parlamentar “sempre procurou respeitar a biodiversidade, estando em sintonia com o meio ambiente”. 

Prisões dinheiro no saco de lixo 

No ano passado, uma gravação em vídeo divulgada pela Polícia Federal (PF) mostrou o deputado recebendo propina e colocando o dinheiro em um saco de lixo. Segundo as investigações, a quantia teria sido repassada por empresas que prestavam serviços de coleta e tratamento de resíduos sólidos em cidades rondonenses. 

A filha do deputado Gislaine Clemente (MDB), conhecida como “Lebrinha”, também também foi filmada recebendo dinheiro ilegal. Na época, ambos negaram as acusações e garantiram que iriam provar sua inocência. Atualmente ela é prefeita do principal reduto eleitoral da família, a cidade de São Francisco do Guaporé. 

Em 2011, outro membro da família já havia sido preso, o irmão de Lebrão, Pedro Amarildo Clemente. Ele foi acusado de participar de um esquema de invasão de terras públicas para extrair madeira ilegalmente. 

Bolsonarista arrependido 

Nas eleições de 2018, Lebrão foi um apoiador de Jair Bolsonaro (PL) à presidência. Mas, segundo o De Olho nos Ruralistas, hoje se diz arrependido. O motivo é a operação Verde Brasil, comandada por militares e focada no combate a crimes ambientais nas regiões com maiores índices de desmatamento no país. 

“Na nossa região, foi uma votação em peso no atual presidente, mas a resposta foi a Operação Verde Brasil, que engessa, amputa os braços de quem trabalha e produz, especialmente os pequenos”, disse em uma sessão da Alep. O parlamentar também já usou a tribuna para criticar ações de fiscalização ambiental.

Lebrão não possui atualmente nenhuma empresa aberta em seu nome. Em 2020, na última eleição a que concorreu, ele não declarou bens.

Coexistência pacífica?

Embora interesses de madeireiros e indígenas normalmente sejam divergentes, neste caso isso não acontece. Nas redes sociais, Cledson Pitana Karitiana se mostra um apoiador de Lebrão. Frequentemente, o indígena republica postagens produzidas pela assessoria de comunicação do deputado, anunciando “conquistas”. 

Na comunicação oficial do mandato, Lebrão busca se apresentar como defensor dos direitos dos Karitiana, buscando “melhorias na qualidade de vida”, como ligações de energia elétrica e o asfaltamento de rodovias. 

Desde a década de 90, quando Lebrão chegou à região, os Karitiana são alvos de posseiros e grileiros. Na época, fazendeiros foram estimulados a ocupar o território pelo projeto Planafloro, financiado pelo Banco Mundial em Rondônia. O objetivo era viabilizar a exploração dos recursos florestais. 

No ano passado, duas operações nas TIs Karitiana e Kaxarari apreenderam 3.841,68 m³ de madeira ilegal. Ibama, Força Nacional e Funai desmantelaram acampamentos de desmatadores, resultando na apreensão de caminhões, combustível, armas de fogo e equipamentos.

Em 2018, seis homens foram presos durante operação da Polícia Militar Ambiental e da Fundação Nacional do Índio (Funai). Eles transportavam 80 m³ de madeira retirada ilegalmente da TI Karitiana. 

Outro Lado

O Brasil de Fato procurou todos os citados na reportagem, mas não obteve resposta. O espaço está aberto às manifestações. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho