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Ranhetices de velhos

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Propôs um teste para ver como andavam os reflexos do Mauro, e ele topou. O teste era coisa de maluco mesmo - Unsplash
Numa tarde de domingo, recebeu a visita de um velho amigo

Hoje em dia tem quem defende que homem não pode falar de coisas femininas, branco não pode falar da luta dos negros... Bom, velho pode falar de problemas e ranhetices de velhos, não? Então eu falo.

Vou contar dois causos.

Um deles é sobre o Mauro, professor de inglês da rede estadual de ensino, em São Paulo. Há uns cinquenta anos, professor tinha um salário razoável e às vésperas de se aposentar o Mauro tinha dinheiro pra comprar um fusca zero quilômetro. Comprou e começou a tomar aulas numa autoescola.

Numa tarde de domingo, recebeu a visita de um velho amigo com uns setenta e poucos anos, meio maluco.

Quando o amigo soube que o Mauro ia tirar carteira de motorista, começou a falar das qualidades necessárias para ser um bom motorista.

— Reflexo. Tem que ser bom de reflexo... — era o que mais insistia.

Propôs um teste para ver como andavam os reflexos do Mauro, e ele topou. O teste era coisa de maluco mesmo.

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Ele deveria dirigir o fusca em direção ao velho amigo, que ficaria no meio da rua, de modo que, se o fusca não parasse, passaria por cima dele. Quando o amigo levantasse a mão e gritasse “já”, o Mauro meteria o pé no freio e pararia pertinho dele.

Fizeram isso...

E alguns minutos depois, estava a família toda nervosa, chamando um vizinho que sabia dirigir para levar ao Hospital das Clínicas o amigo do Mauro, com as duas pernas fraturadas.

O outro causo tem alguma semelhança com esse. É do seu Jó, um velho do interior de Minas que veio a São Paulo a passeio, com a família, inclusive netos.

Um dia, o seu Jó saiu pra passear com um neto, ainda menino, e mal saíram da casa em que estavam hospedados, o menino andava despreocupadamente para atravessar a rua e foi puxado pelo avô, que falou bravo:

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— Cê pensa que tá lá na nossa terra? Aqui em São Paulo não é assim não! Pra atravessar a rua a gente tem que olhar bem pros dois lados, se não é atropelado.

Diante do neto assustado, falou já em tom mais educativo:

— Aqui tem muito carro, é perigoso. A gente tem que olhar pra direita, olhar pra esquerda, e aí sim pode atravessar.

Olhou, olhou... Deu um passo na rua e... dali a pouco deu entrada no Hospital das Clínicas um idoso atropelado, com fratura exposta na perna direita.

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Douglas Matos