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Enquanto Lula se agiganta nas ruas, Bolsonaro se apequena - Miguel SCHINCARIOL / AFP
Cada voto importa e numa disputa tão acirrada e com ares de guerra santa, vale de tudo

Enquanto Lula se agiganta nas ruas, Bolsonaro se apequena. Cada voto importa nas últimas semanas e numa disputa tão acirrada e com ares de guerra santa, vale de tudo.

 

.A última cruzada. A eleição não está decidida. Se por um lado, Lula tem mantido a vantagem nas pesquisas, os institutos também indicam que os votos espontâneos no capitão estão crescendo e a sua rejeição diminuindo, o que aponta um certo equilíbrio de forças. Obviamente, a tarefa é mais difícil para Bolsonaro, que largou atrás no primeiro turno e precisaria de uma combinação de uma migração massiva de votos da terceira via, uma alta taxa de abstenção, principalmente no nordeste, e que parte dos eleitores de Lula mudassem de opinião, com ênfase em Minas Gerais. Por isso, Thomas Traumann vê cinco fatores decisivos daqui até o dia 30: os dois debates televisivos já agendados; o uso da máquina público por parte de Bolsonaro, com destaque para a antecipação do pagamento da terceira parcela do Auxílio Brasil; o peso dos apoios conquistados por cada um dos candidatos; e o tamanho das abstenções no segundo turno, que tendem a ser maiores que no primeiro. Se uma vitória do capitão parece cada dia mais improvável, não significa que o resultado derrotará definitivamente o bolsonarismo. Tendo sobrevivido ao primeiro turno, o bolsonarismo ocupou o lugar da elite que usa talheres e guardanapos antigamente representada pelo PSDB e deve permanecer com fôlego no novo cenário político. Neste quadro, vale cair atirando. Por isso, a estratégia de destruição total com a disseminação de fake news, a manutenção permanente do discurso golpista, com ameaças às urnas e ao STF. Por outro lado, os fiascos no Círio de Nazaré e na Basília de Aparecida podem virar o argumento religioso contra o capitão, além de ter de enfrentar agora a estratégia “agora é guerra” encabeçada por André Janones nas redes sociais, que conseguiu desgastar efetivamente a imagem de Bolsonaro ao associá-lo com a maçonaria.

.A indiscreta hipocrisia da burguesia. Os ataques à campanha petista não partem apenas do QG eleitoral de Bolsonaro. A Faria Lima tem sua própria versão da mamadeira de piroca, conhecida como “Lula tem que apresentar seu plano econômico” ou “Lula tem que apresentar o seu nome para a Economia”. A cantilena esteve nos editoriais dos três principais porta-vozes da Bovespa nesta semana: O Globo, a Folha e o Estadão. O grau de hipocrisia foi tão grande que constrangeu os funcionários da própria Folha. Jânio de Freitas questionou que a mídia não exige nada de Bolsonaro - nem antes e nem agora - e sentenciou: é só pretexto para apoiá-lo com a desculpa de que o fazem por indefinição de Lula. Cristina Serra chamou os empregadores de desleais, lembrando que Lula não é uma incógnita. E Bruno Boghossian, também da Folha, conclui que a presença de Alckmin e Tebet já levaram a candidatura petista ao centro e que o partido se dispõe a construir a política econômica para além de seus quadros. O problema dos jornalões paulistas e cariocas não é que Lula não tenha um plano. É que o plano de Lula não é o deles. Como se constata pela reportagem da Piauí. A revista compara a participação de Bolsonaro e Lula nos encontros da associação empresarial Esfera. O capitão não apresentou propostas e se limitou a fazer pregação religiosa. Lula falou sobre investimentos sociais, reforma tributária, acenou para o agronegócio e para a manutenção da autonomia do Banco Central. Mas quando se trata de Petrobras e do teto de gastos, o petista é intragável para a Bovespa. Porém, nesta semana, Lula recebeu o apoio de gente menos rancorosa como Waguinho, presidente do União Brasil do Rio de Janeiro, do ex-bolsonarista Paulo Marinho, assim como o aceno de representantes do agronegócio próximos ao capitão. A má vontade da elite bandeirante talvez seja mais um dos motivos para a aposta petista em ampliar a vantagem no nordeste e em Minas Gerais para compensar uma possível derrota em São Paulo, além de ampliar o diálogo com a base evangélica no maior colégio eleitoral do país. 

.Cacicado brasileiro. As eleições legislativas deste ano produziram uma modificação significativa na política institucional. Trata-se da redução do número de partidos com assento no Congresso, que passa de 30 para 19, e que é resultado da minirreforma eleitoral de 2017. Com isso, as agremiações que não atingiram a cláusula de barreira terão que fundir-se com outras se quiserem ter o acesso ao fundo partidário e eleitoral. Assim, o PSDB e o Cidadania já iniciaram as tratativas para uma possível fusão, bem como o Solidariedade e PROS e, de maior peso, uma possível fusão do PP com o União Brasil, que confirmando-se desbancaria o PL da posição de maior partido na Câmara. Curiosamente, mesmo com a redução do número de partidos, o grande vitorioso das eleições foi o centrão. Até mesmo o PL, partido alugado por Bolsonaro, tem mais cara de centrão do que de direita raivosa. Afinal, o deputado médio eleito pelo partido está mais para raposa velha habituada ao toma-lá-dá-cá do que para jovem youtuber bolsonarista. Parte do sucesso do centrão deve-se aos gordos recursos distribuídos a suas bases regionais via orçamento secreto. Pior, agora o centrão ganhou capilaridade, elegendo mais da metade das vagas nas assembleias estaduais do país, 41% a mais do que em 2018. A boa notícia é que mesmo o Brasil tendo um dos congressos de perfil mais conservador do mundo, onde a média de idade dos deputados é de 49 anos e onde há baixíssima participação de mulheres (17%), o peso do centrão dá margem de manobra caso Lula seja eleito, num cenário que não é muito diferente do que o petista já encontrou em 2002. Já numa possível reeleição de Bolsonaro, a relação tenderia a continuar como está, porém com maior vantagem para o capitão no Senado e com a possibilidade de indicação de dois ministros do STF ao longo dos próximos quatro anos. Para Alon Feuerwerker, independentemente de quem vença, deverá entrar em pauta nos próximos quatro anos a reconstrução do poder presidencial frente a um Congresso que vem empoderando-se desde 2016.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.A eleição em São Paulo. O historiador Lincoln Secco explica como a combinação entre ultramodernidade e resquícios coloniais fazem do sudeste o motor do conservadorismo.

.Crise financeira: até o FMI teme o pior. No Outras Palavras, o ex-ministro da economia grego Yanis Varoufakis escreve sobre a proximidade de uma nova crise econômica global.

.O que acontece em um país quando o governo interfere no STF. Perseguição a jornalistas, softwares espiões, procurador-geral a serviço do governo. A Agência Pública conta como é a vida política em El Salvador 

.Preocupação do brasileiro com saúde mental quase triplicou em 4 anos, mostra pesquisa. Na BBC, os resultados da pesquisa que aponta como a saúde mental superou o câncer e a obesidade entre os medos dos brasileiros.

.Padre Kelmon e o conto do vigário. A Piauí conta como Roberto Jefferson precisou de apenas uma tarde para fabricar o padre de festa junina.

.O último trabalho de Hobsbawm. Dez anos depois da partida de Eric Hobsbsawm, a Jacobin relembra sua última análise das fraquezas e virtudes do marxismo.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

 

 

 

Edição: Vivian Virissimo