Coluna

Lula ainda não tomou posse

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Lula só toma posse em janeiro, mas já começa articulações políticas para o novo governo - Rogério Tomaz Jr.
Depois de consumada a derrota para o seu maior rival político, Bolsonaro sumiu

Bolsonaro passou boa parte do seu mandato como se estivesse em uma espécie de continuação macabra do filme "Curtindo a Vida Adoidado", uma comédia dos anos 80 onde um jovem decide jogar suas responsabilidades para o alto e curtir a vida.

Entre lives, passeios de jet-ski e farofa no chão, Bolsonaro mostrou que poderia fazer o que quisesse com a cadeira da presidência, inclusive nada.

Acontece que, depois de consumada a derrota para o seu maior rival político, Bolsonaro sumiu. Parou de ameaçar as instituições e brincar de Al-Qaeda nas infames lives de quinta-feira. A verdade é que Bolsonaro segue sendo o mesmíssimo mandrião que sempre foi, a diferença é que agora ele não está mais tumultuando o país e causando instabilidade.

E talvez seja por conta desse silêncio de um presidente que até mês passado era estridente que muitas pessoas se esquecem que a posse do presidente eleito é só em janeiro.

A transição entre os governos só começou na semana passada e nomes ainda estão sendo definidos, Lula sequer revelou quem estará na Esplanada dos Ministérios. Ao mesmo tempo, o Brasil, que havia ficado isolado no cenário internacional, voltou para os holofotes do mundo na mesma noite em que o ex-presidente petista foi novamente eleito e agendas e encontros com chefes de Estado já foram marcadas.

As coletivas em Brasília deixaram de ser pautadas por ameaças, tópicos de fóruns obscuros da internet e promoção de instabilidade e convulsão social. No lugar de dedos em riste e gritaria, vozes serenas falando sobre o Brasil de amanhã, projetos, economia e coisas que interessam boa parte dos brasileiros maduros e sérios que não desperdiçam seu tempo enfurnados em portas de quartéis.

Talvez a ansiedade em ver o país voltar ao normal, com a política se tornando algo tedioso novamente, faça as pessoas se esquecerem que Lula ainda não assumiu, para o bem e para o mal.

A inflação, que subiu 0,59% em outubro após três meses de deflação, causou certo espanto em alguns que correram para procurar a culpa no presidente que sequer assumiu o cargo. Para os afobados de plantão, faço o lembrete: a inflação dos alimentos (aquela que interessa para a população) nunca esteve em deflação. Aliás, a deflação dos últimos três meses foi produzida a fórceps pelo governo de Jair Bolsonaro, que botou para quebrar com as contas públicas de maneira desesperada para tentar ser reeleito.

Economistas sérios como Armínio Fraga já falam abertamente que o terreno deixado pelo governo Bolsonaro é pior do que o de 2002. Ou seja, a ÚNICA prioridade do próximo governo será "não deixar o país quebrar".

Já o tal do "mercado", calmo e tranquilo nos últimos quatro anos, sabe fazer uma coisa muito bem: especular!

Eles sabem melhor do que ninguém que Lula ainda não tomou posse e que o próximo governo terá de sobra algo que o atual não teve: estabilidade.

A "agitação" de agora vem de uma velha máxima: comprar (ações) na baixa, diminuir o preço médio da carteira e vender na alta.

Até mesmo as famigeradas agências de análise de risco acordaram da hibernação! Algumas delas, como a Standard & Poor's, agora voltaram para as manchetes com seus comunicados - vale lembrar que muitas delas avaliavam positivamente os fundos hedge, um tipo de investimento que foi o estopim da crise de 2008. Muita gente perdeu dinheiro, mas muita gente ganhou ainda mais dinheiro com isso.

Se muita gente acha que Lula já está no Planalto, pode ter certeza que os atores financeiros sabem muito bem que não. O plano é mais simples do que muitos imaginam com suas elaboradas teorias conspiratórias: tentar pautar o governo do ano que vem e ganhar dinheiro.

Exagero? Teoria da conspiração? Não! Fatos! Basta ver como o famigerado mercado se comportou após a eleição de Lula em 2002: queda de 4,4% no Ibovespa e dólar subindo 1,3%. E o papo era rigorosamente o mesmo: exigências de nomes para pastas, responsabilidade fiscal e todo o roteiro que hoje, 20 anos depois, não mudou nada.

E o que aconteceu ao final do primeiro mandato do Lula? O índice Ibovespa cresceu mais de 300%! O segredo? Estabilidade, a mesma que Lula oferece hoje e que será capaz de proporcionar - e a turma do dinheiro sabe muito bem disso.

Enquanto isso, boa parte da população fica confusa com Bolsonaro, que tenta se esconder da ressaca econômica que sua administração causou, e um presidente recém-eleito que já retomou o protagonismo.

Para Bolsonaro fica o alerta: na política não existe vácuo, os espaços sempre estão ocupados.

*Cleber Lourenço é observador e defensor da política, do Estado Democrático de Direito e da Constituição. Com passagens pela Revista Fórum e Congresso em Foco. Twitter e Instagram: @ocolunista_

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Nicolau Soares