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O cheiro da nova estação

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Ao que tudo indica, Lula pretende fazer um governo maior que coração de mãe - NELSON ALMEIDA / AFP
Cartão de visitas do governo Lula 3, assim como o Lula 1, será o combate à fome

Olá! Nesta edição, discutimos os malabarismos que o novo governo precisa fazer para acomodar as políticas sociais e todos os aliados no orçamento, enquanto o mercado dá chilique.

 

.Coração grandão, orçamento curto. Ao que tudo indica, Lula pretende fazer um governo maior que coração de mãe. Mas não será fácil caber todo mundo sem briga. A primeiríssima batalha é flexibilizar um orçamento já aprovado pelo Congresso. O problema é que sempre que alguém fala em romper o teto de gastos vem mimimi do mercado. Mas alguma solução terá que ser encontrada, pois não há outra alternativa para cumprir o compromisso de manter o auxílio de R$600 e dar aumento real ao salário mínimo. Afinal, como alerta o senador Renan Calheiros, "se o Lula não acabar com o orçamento secreto, o orçamento secreto vai acabar com ele”. O cenário ideal seria uma decisão do STF tornando ilegal o orçamento secreto, num julgamento previsto para ocorrer até dezembro. Com isso, o governo abocanharia pelo menos R$19 bilhões que hoje fazem parte das emendas do relator no Congresso. Porém, a decisão do STF poderia azedar as relações entre poderes antes mesmo do novo governo começar. Por isso, Lula busca também uma saída negociada diretamente com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Entre as seis possibilidades estudadas, o próximo governo optou pela “PEC da transição”, costurada com os atuais chefes do Congresso. Mas a batalha do orçamento não é a única com potencial de gerar atritos entre o governo e o mercado. Na lista, há também a política de investimento e de distribuição de dividendos da Petrobras e a possível derrubada da MP 1128 formulada por Paulo Guedes e Roberto Campos Neto para favorecer os bancos, enquanto o novo governo pretende que os bancos públicos se concentrem em financiar os programas sociais, o setor industrial e os microempreendedores. E bastou o nome de Guido Mantega na equipe de transição, a crítica ao teto de gastos e a recusa em anunciar o ministro da Fazenda para o mercado se comportar como os “bolsonaristas das rodovias”.

.Tudo para ontem. Ainda que as eleições não tenham tido um debate programático, não é difícil imaginar por onde passam as primeiras medidas do novo governo. De olho em recuperar o papel do país no cenário internacional e retomar a integração latino-americana, Lula deve apostar no tema ambiental como mecanismo para atingir estes objetivos. Neste contexto, vale a cooperação com a Colômbia no tema da Amazônia e uma articulação com Indonésia e República Democrática do Congo para defesa das florestas tropicais. Aliás, a participação do futuro presidente brasileiro na Cúpula do Clima no Egito, antes da posse, é sinal que a diplomacia internacional também sentiu a falta do Brasil. De quebra, Lula ainda deve sepultar definitivamente o Grupo de Lima, criado para derrubar Nicolás Maduro, e retomar a Unasul. O meio ambiente também deve ser o carro chefe do “revogaço" que deve ser sancionado nos primeiros dias, retrocedendo a passagem da boiada, mas também a política armamentista. Outra política marcante do bolsonarismo que precisará de uma resposta diretamente oposta é a saúde. Aqui, o desafio é combater o negacionismo e retomar os índices de vacinação, especialmente infantil, e não apenas de covid. Além disso, será preciso enfrentar a escassez de medicamentos e talvez retomar o Programa Mais Médicos. Na educação, os alvos do enfrentamento ao bolsonarismo devem ser as escolas cívico-militares e o ensino domiciliar, e as proposições devem se concentrar na recuperação das defasagens deixadas pelo ensino remoto durante a pandemia e no aumento dos repasses para a alimentação escolar. Mas, chama a atenção o peso do setor privado nesta área na transição. E, por fim, claro, o cartão de visitas do governo Lula 3, assim como o Lula 1, será o combate à fome. Mas por enquanto, a principal preocupação é que todos os temas, incluindo o setor energético e a política econômica, precisam caber no orçamento, e isso implica em duas lições aprendidas pelo PT: não esquecer dos mais pobres e não entrar em rota de colisão com o congresso.

.Movimento dos Sem-Voto. Depois de uma vida gritando “vão trabalhar, vagabundos”, a direita saiu às ruas e tentou emplacar sua própria “greve geral”. Claro que deu com os burros n’água. Embora a tentativa de judicializar o processo eleitoral não deva prosperar por falta de apoio nas próprias forças armadas, a sementinha da discórdia foi plantada e será capaz de manter viva uma seita de radicalizados convertidos. Esta parece ser a aposta do capitão, que contava ainda com uma vitória dos Republicanos e uma reabilitação de Trump nos Estados Unidos que não veio. Mas, num momento em que o poder gravitacional de Lula vai engolindo as forças da oposição, Bolsonaro ganhou um importante respaldo do seu próprio partido. Além de já se colocar na oposição ao novo governo, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, cedeu a presidência de honra da sigla a Bolsonaro e anunciou sua candidatura para 2026. Assim, considerando que o PL será o maior partido da Câmara, Bolsonaro garante uma importante retaguarda institucional para conter a ambição de competidores no cenário nacional, como Romeu Zema (Novo-MG) e Tarcísio de Freitas (Rep-SP). Porém, a aposta na radicalização também tem seu preço. Sem foro privilegiado, Bolsonaro pode sofrer os reveses de diversos inquéritos, e a convocação do general Heleno no Congresso para esclarecer possíveis interferências na Polícia Federal mostra que o clima institucional está mudando. As mesmas preocupações pairam sobre o destino de Carla Zambelli e dos empresários que financiaram o golpismo e que viraram alvo dos Ministérios Públicos Estaduais e do TSE.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.É hora de falar em punição e não em pacificação. Não existe pacificação sem punição dos responsáveis pelas arbitrariedades e mortes, escreve Milly Lacombe no UOL.

.Fome: quais caminhos o governo Lula precisa adotar em 2023? O Joio e o Trigo recapitula quais políticas de combate à fome foram destruídas e que precisam ser recuperadas no novo governo.

.Os próximos anos serão importantes para conter autoritarismo bolsonarista. Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor do Observatório de Extrema Direita Odilon Caldeira Neto (UFJF) analisa o futuro do bolsonarismo, com ou sem Bolsonaro.

.Prece contra o comunismo e spray de pimenta: veja como é o acampamento golpista. Comida farta, armas de uso proibido e discurso de ódio. O Congresso em Foco passou um dia no acampamento antidemocrático de Brasília.

.“A lógica que gerou avanço evangélico é a mesma que leva a seu caráter autoritário”. Em entrevista ao Instituto Humanitas, o professor  Jung Mo Sung (Metodista-SP) explica as raízes históricas e teológicas da Teoria da Prosperidade.

.O negro é a cor mais cortante. Rádio Batuta do Instituto Moreira Salles comemora o centenário de Lima Barreto com um podcast de cinco episódios.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

 

 

Edição: Vivian Virissimo