Coluna

Arrumando a casa, antes que ela caia

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Governo ainda nem começou, mas Lula já tem que lidar com frentes de batalha simultâneas - CARLOS COSTA / AFP
Indicação de Múcio Teixeira acalmou os ânimos na caserna, responsáveis por manter as mobilizações

Olá! Militares, sistema financeiro e Congresso são as três frentes de batalhas simultâneas de Lula. E ele nem tomou posse ainda.

.La garantia soy yo. Na Copa do Mundo do terceiro turno, Lula passou com facilidade pelas oitavas de final. A antecipação da diplomação do governo eleito para o próximo dia 12 joga uma pá de cal sobre as ilusões dos bolsonaristas golpistas que ainda apostavam em turbulências para tumultuar a transição. Aparentemente, a indicação de Múcio Teixeira acalmou os ânimos na caserna, responsáveis por manter as mobilizações. Mas, no fundo, os generais continuam querendo as chaves do Ministério da Defesa e do Gabinete de Segurança Institucional, além de uma fatia maior do orçamento do governo, como sempre. Mas Lula, que não é bobo nem nada, planeja enfraquecer o GSI, que se tornou arma política do bolsonarismo nas mãos do General Heleno. Na principal frente de batalha da semana, a aprovação da PEC do Bolsa Família, Lula atuou com discrição para que o STF derrube o orçamento secreto, verdadeiro empecilho e moeda de troca do centrão para a aprovação da Emenda. Por sua vez, o adiamento do julgamento no Tribunal demonstra que os ministros preferem deixar que o próprio Congresso resolva a questão. E, neste caso, a solução temporária encontrada pelo centrão foi a inclusão de emendas de Comissões na mesma PEC. O problema é que as propostas do Congresso mantém a distribuição de emendas sem qualquer critério que não seja o de abastecer currais eleitorais. Sem transparências dos autores e do destino das verbas, o STF não quer conversa. Lula, por sua vez, já se convenceu de que vai ter que conviver com o orçamento secreto para garantir a governabilidade, como escreve Claudia Safatle. Por outro lado, a sinalização da entrada do União Brasil e do PSD no futuro governo e o racha na base bolsonarista no Senado reforçam a vitória pessoal de Lula. Isso não significa que as semifinais serão mais tranquilas. A demora do STF e o apetite de Arthur Lira podem retrancar o jogo logo ali na frente.

.Blecaute no fim do túnel. Outra vitória parcial de Lula tem sido sobre o mercado financeiro, com o futuro presidente fazendo ouvidos moucos às apostas e pedidos do mercado sobre os ministérios econômicos. Como esperado, os banqueiros seguem torcendo o nariz, pedem um ministro palatável e um esclarecimento sobre a “âncora fiscal” que substituirá o carcomido teto de gastos do novo governo. O problema é que, além da incômoda independência do Banco Central, a Fazenda será um ministério da Escassez. Afinal, depois das promoções especiais pré-eleitorais, sobrou só a xepa e o atual governo praticamente parou. As mãos de tesoura de Paulo Guedes, que foi generosa apenas com a campanha eleitoral do chefe, agora faz novas operações de “contingenciamento”, entenda-se cortes mesmo, com impactos na saúde, meio ambiente, educação e justiça, afetando inclusive o funcionamento de caminhões-pipa no nordeste e o pagamento das aposentadorias no apagar das luzes da gestão Bolsonaro. Mas, por dialética da política, a gravidade da crise orçamentária dá justamente o argumento que o novo governo precisa para aprovar a PEC da transição no Congresso: é impossível manter o teto de gastos, pelo bem do país! Lula também chama a atenção para o legado de destruição da gestão Bolsonaro para explicar a seu eleitor ansioso que não haverá milagre e, provavelmente, nem aumento imediato de salário para os servidores públicos. Além disso, com os maiores juros do mundo e crescimento pífio previsto para 2023, a pequena margem de manobra orçamentária depende da aprovação da PEC.

.Tele-entulho. Falta menos de um mês para Bolsonaro dar tchau, mas a verdade é que ainda levará um tempo para o novo governo limpar a sujeira que ele deixou. E não estamos falando só dos patriotas em frente aos quartéis, contra os quais o TSE e o STF vem agindo, mas cuja tolerância das instituições é evidente. Mais grave é a politização que ocorreu do lado de dentro dos quartéis e que não tem data para acabar, além da corrida armamentista dos caçadores, atiradores e colecionadores para registrar mais armas no fim do governo. Porém, não é só na área militar que o legado do bolsonarismo luta para sobreviver. O avanço do desmatamento, a desestruturação dos serviços públicos e as pautas ideológicas também serão difíceis de serem revertidos. No primeiro caso, a bomba que está para estourar é o embargo da União Europeia a artigos brasileiros produzidos em áreas desmatadas. E mais projetos de lei que flexibilizam as leis ambientais e liberam agrotóxicos aguardam na fila do Congresso. Quanto aos serviços públicos, a desestruturação da política de combate à violência contra as mulheres cobra o seu preço com recorde no número de feminicídios. Por fim, a cereja do bolo são as pautas “de costumes”, como a restrição ainda maior da prática de aborto legal encampada pelo bloco bolsonarista no Congresso e a tentativa de extinção da Comissão de Mortos e Desaparecidos. E apesar do choro, Bolsonaro já pensa em como sobreviver no próximo período. A estratégia passa pelas eleições municipais e pelo Senado, onde o capitão quer ter uma tropa de choque com futuros candidatos aos governos estaduais com a marca de oposição ao lulismo. Ainda no Senado, Bolsonaro torce para a eleição de Rogério Marinho para se vingar de Alexandre de Moraes, emplacando um impeachment do ministro. Mas o PT também não pretende ficar calado diante dos ataques e já pediu a inegibilidade de Bolsonaro, Braga Netto e aliados por abuso do poder econômico e pela máquina de fake news. E o terceiro turno ainda está em sua fase inicial.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Como diplomatas sabotaram Bolsonaro de dentro do Itamaraty. No UOL, Jamil Chade revela o funcionamento da rede secreta de diplomatas que resistiram ao desastre da política internacional do bolsonarismo.

.Tarefas da reconstitucionalização do Brasil. No A Terra é Redonda, o cientista político Luiz Felipe Miguel elenca os desafios para o próximo governo recompor a organização institucional do país.

.“A volta de Lula é um alento para a América Latina”. Em meio às tensões no Peru e Argentina, o professor José Luís Fiori fala sobre o impacto da eleição de Lula para o continente.

.“Devemos evitar que as empresas poluidoras fiquem na direção da luta contra a mudança climática”. A pesquisadora indiana Vandana Shiva convoca à luta contra as corporações responsáveis pelas mudanças climáticas.

.Aula aberta com Racionais MC's na Unicamp. Assista a aula aberta do grupo de Rap na disciplina sobre pensamento social brasileiro na universidade paulista.

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Thalita Pires