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À espera do bom velhinho

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Plano de uma versão tupiniquim da invasão do Capitólio deu em nada e o candidato derrotado fica em silêncio, usando partidários como bucha de canhão - Reprodução
É provável que o plano de Bolsonaro seja elevar o nível de tensão nas ruas para negociar uma anistia

 

 

Olá! Luiz Inácio vem aí, e com ele esperanças de dias melhores. Mas batalhas decisivas ainda estão em curso, como a PEC da transição, o orçamento secreto, a nomeação de ministros e o terrorismo bolsonarista.

 

Pânico na Asa Norte

Todo mundo já sabia que o plano de Bolsonaro era fazer uma versão tupiniquim da invasão do Capitólio para melar as eleições. Mas ele surpreendeu e, talvez por medo das consequências, escolheu repetir o método sorrateiro de manter-se em silêncio e usar seus partidários como bucha de canhão. Os atos terroristas em Brasília logo após a diplomação de Lula têm muitos sentidos: têm cara de desespero e improviso, tentam tirar o protagonismo de Lula, desafiam frontalmente Alexandre de Moraes e revelam ao tratamento vip que o aparato repressivo dispensa para a direita.

E, enquanto o atual ministro da Justiça Anderson Torres jantava tranquilamente, o futuro ministro da Justiça Flávio Dino agia como autoridade perante o caos. O plano de Bolsonaro é tentar sua última cartada para contestar as eleições, mesmo sem o apoio do presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Mas depois da prestigiada diplomação de Lula pelo TSE, ninguém mais acredita seriamente nessa possibilidade.

O mais provável é que o plano maluco do capitão seja mesmo elevar o nível de tensão nas ruas para negociar uma anistia, num cálculo arriscado que tem tudo pra dar errado. Afinal, ele pode estar cavando o próprio buraco, ainda mais depois que a PF apertou o cerco contra dezenas de golpistas e o processo por crime contra o sistema eleitoral pode pegá-lo sem foro privilegiado. E a virada do ano promete trazer medidas mais duras contra os acampamentos golpistas em frente aos quartéis. Ao mesmo tempo, a própria dinâmica política deve forçar a direita a mudar o eixo, ainda mais agora que vai se revelando o tamanho da destruição do Estado e das políticas públicas ocorrida nos últimos quatro anos. Porém, Bolsonaro não é apenas um lunático. Ele sabe que tem o respaldo do generalato e essa é a pedra que pode apertar o calo do governo Lula e promete dar dores de cabeça ao futuro ministro da Defesa, Múcio Monteiro.

Os terroristas da Faria Lima

Depois dos quartéis de Brasília, o setor mais fiel ao bolsonarismo é o mercado financeiro. Assim como os aloprados patriotas, a Faria Lima sonha que o resultado da eleição não seja respeitado, porque no fundo quer mesmo é que Paulo Guedes continue no Ministério da Economia.

Como se vê pela má vontade generalizada com o anúncio de Fernando Haddad à frente da Fazenda. Haddad foi um gestor responsável como secretário de Finanças na gestão de Marta Suplicy e depois como prefeito de uma cidade quebrada. Na equipe do Ministério do Planejamento, foi um dos responsáveis pela proposta das Parcerias Público-Privadas, um chamego no setor empresarial. Ainda na década de 1990, escreveu uma dissertação crítica ao modelo soviético.

Celso Rocha Barros lembra, na Folha, que Rui Costa, nomeado para a Casa Civil, tem perfil semelhante. E mesmo assim, sem que nenhum dos dois sejam “gastadores”, as vaias da Faria Lima não param. O novo ministro deve se cercar de auxiliares também pouco ortodoxos e de nomes oriundos do próprio mercado. E a Faria Lima? Aos prantos.

Mesmo que o verdadeiro problema do mercado financeiro não esteja aqui, mas na política de juros do Banco Central dos Estados Unidos, alerta Graciliano Rocha. E aliás, nos Estados Unidos, várias das políticas defendidas pela intransigente Faria Lima estão sendo desconstruídas, como aponta Paulo Kliass. O que faltava para os banqueiros infartarem era o anúncio de Aloizio Mercadante para o BNDES, outro pouco afeito a aventuras econômicas, mas associado à política desenvolvimentista do governo Dilma.

Para quem não vive de renda e nem de especulação, os sinais emitidos por Lula para a política econômica são importantes: a estratégia do governo deve combinar políticas de reindustrialização para geração de renda e emprego, expansão do crédito apoiado na atuação dos bancos públicos e política fiscal mais rígida para o setor privado.

Efeito dominó

Muito mais reais do que o mau humor do mercado são os problemas que a dupla Jair Bolsonaro e Paulo Guedes deixam para o novo governo e para o país: o PIB desacelerou, os juros estão altos e há uma recessão global a caminho. Além disso, a nova equipe econômica olha com cuidado a situação dos preços internacionais do petróleo para decidir a melhor maneira de desarmar a bomba da vinculação dos preços dos combustíveis ao mercado internacional, um dos vilões da inflação brasileira.

E acabada as eleições e o uso do Estado para tentar reeleger Bolsonaro, a fila do Auxílio Brasil voltou a crescer e já conta com 128 mil famílias à espera do benefício. O grande problema do novo governo é que a condição para começar o mandato com alguma margem para respirar é a aprovação da PEC da Transição na próxima semana, que por sua vez está condicionada à sobrevivência do Orçamento Secreto, que está subordinada ao acirrado julgamento no STF que pode decidir pela extinção do mecanismo.

Além disso, as vagas dos novos lulistas MDB, PSD e União Brasil em ministérios dependem do comportamento das respectivas bancadas na votação. E, para completar o enredo, caso o esquema das emendas caia, Arthur Lira perde seu principal cabo eleitoral para a reeleição à presidência da Casa. Por via das dúvidas, o centrão já costura uma gambiarra para ressuscitar o Orçamento Secreto, em caso de derrota no STF, com uma roupagem mais “equitativa” na distribuição das emendas, enquanto o PT já considera a possibilidade de perder a votação da PEC e recorrer a uma medida provisória no começo do ano. As emoções vão até o apagar das luzes do fim do ano.

 

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O Ponto entra em um período de pequeno recesso, mas retornamos na primeira semana de janeiro. Obrigado por nos acompanhar e até o próximo ano com as análises direto ao que realmente importa no meio de tanta informação e fake news. Boas festas e bom 2023!

 

Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

* As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Durão Coelho