Coluna

A cara do novo Brasil

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Lula pretende ser mais do que o poder moderador de uma frente ampla - Foto: Ricardo Stuckert
Entenda quais são os desafios e o que se pode esperar do governo Lula

Olá! Passada uma semana da posse, entenda quais são os desafios e o que se pode esperar do governo Lula.

 

.É tudo pra ontem. O nível de desmonte dos últimos quatro anos dá tons de emergência e salvação nacional ao governo Lula. A Piauí traz alguns dados deste quadro alarmante: nos últimos anos houve aumento da população de rua, de crianças vivendo abaixo da linha da pobreza, de pessoas endividadas e de trabalhadores informais, e redução da renda média da população, especialmente dos mais pobres. É claro que um quadro desses é paradoxal para o novo governo. Por um lado, qualquer coisa que se faça é muito, a começar pelos ministérios voltando a funcionar como devem. Neste sentido, o básico ganha ares de revolução, como o Ministério dos Direitos Humanos defendendo os direitos humanos e o Ministério da Saúde retomando o Programa Mais Médicos, por exemplo. A contrapartida é a necessidade de elencar prioridades onde tudo é pra ontem, evitando a dispersão de forças, e fazer funcionar uma máquina pública enferrujada. Tudo isso com poucos recursos. Ou seja, não está claro como tudo isso vai funcionar. Além disso, a orquestra de 37 ministérios controlados por 9 partidos diferentes ainda não está bem afinada e dará trabalho ao maestro. É o que indicam os pequenos atritos em torno de temas como a reforma da previdência, a lei de injúria racial, sem contar as já esperadas cotoveladas na área econômica entre o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a do Planejamento, Simone Tebet. Mas os discursos na posse mostram que Lula pretende ser mais do que o poder moderador de uma frente ampla. Talvez ele assuma, de fato, a liderança da ala esquerda do governo, como aposta Breno Altman, o que aumentaria as insatisfações da centro-direita que participa de um governo já considerado excessivamente petista. Já para Antônio Augusto de Queiroz, o mais provável é que o governo tenha cara de centro, facilitando o diálogo com um Congresso mais conservador do que o anterior. Mas ainda há questões nevrálgicas sem resposta: como o novo Congresso se relacionará com o governo? Como Lula e a equipe econômica enfrentarão uma possível piora do cenário econômico? E, ainda, qual será o futuro do bolsonarismo depois que o dono do cercadinho fugiu para Miami?

 

.Os últimos bolsonaristas. Entre os setores que sustentaram o bolsonarismo, as Forças Armadas e a bancada evangélica não foram mencionados diretamente nos discursos de posse de Lula. Mas, o mercado financeiro teve que ouvir que “parasitas rentistas” não serão prioridade, que o teto de gastos é um equívoco e que parem de mimimi porque os petistas sempre foram responsáveis na área fiscal com sucessivos superávits. Mais resilientes que os acampados nos quartéis, a Faria Lima não arreda um centímetro e mantém os ataques ao novo governo pela imprensa e pela especulação na bolsa, derrubando o valor das estatais diante dos anúncios de suspensão de privatizações da Petrobras, Correios e parques. Se nota que a opção é puramente ideológica quando integrantes do próprio mercado reconhecem que o Brasil agora é um bom investimento. Nem a sinalização de Fernando Haddad com amargos cortes de gastos acalma a bílis financeira. Aliás, a postura de meninos mimados beira o irônico quando o mesmo Haddad, rejeitado pelo mercado até semana passada, agora é pintado como um “novo neoliberal”,  “derrotado” por uma suposta ala petista na economia. O caso é muito simples: há uma recessão global a caminho e o governo vai precisar optar entre manter a doce vida da Faria Lima ou atender milhões de pobres. E os sinais do governo apontam tanto para a retomada de investimentos sociais, quanto da industrialização, em prejuízo de banqueiros e rentistas. Além disso, sai de cena a figura pinochetista do posto Ipiranga de Paulo Guedes e, em seu lugar, a política econômica é distribuída entre Haddad, Simone Tebet, Esther Dweck e Geraldo Alckmin, além do BNDES, onde Aloizio Mercadante montou um verdadeiro ministério no seu entorno. Tudo isso significa também que a palavra final da economia será sempre de Lula.

.O capitólio pariu um rato. O bolsonarismo ainda não é uma página virada de nossa história. Os dias de silêncio entre o fim do segundo turno e a fuga para os Estados Unidos ainda precisarão ser preenchidos por jornalistas e historiadores. Afinal, Bolsonaro era o golpista que não encontrou o apoio que esperava dos generais Augusto Heleno e Braga Netto e do presidente do PL, Valdemar da Costa Neto? Ou era apenas uma marionete nas mãos dos generais? Fato é que, independente de quem fosse mais golpista nesta história, o capitão não encontrou apoio popular ou institucional para suas aventuras. O esvaziamento das redes bolsonaristas e dos acampamentos, reduzidos nos últimos dias à meia dúzia de fanáticos vivendo num universo paralelo, além da fuga covarde para Miami, colocam em xeque os planos do capitão e família de voltar ao Planalto em 2026. Afinal, com este saldo negativo, Jair conseguirá se firmar como líder da oposição ou da extrema-direita? É bom lembrar que seu primeiro obstáculo é permanecer livre. Passadas as eleições e com o aval dos novos ocupantes do Palácio do Planalto, Alexandre de Moraes deve pisar no acelerador da caça aos bolsonaristas envolvidos em fake news e em atos golpistas. E sem a proteção de Augusto Aras, o relatório da CPI do Covid poderá, agora, atingir em cheio o capitão, além de futuros processos decorrentes da quebra dos “sigilos de 100 anos”. Porém, apesar do coro de “sem anistia” na posse de Lula, a possibilidade de prisão de Bolsonaro é remota, como explica o jurista Pedro Serrano. Mas mesmo que não seja preso, sem financiamento, sem as redes de TV e programas caça-níqueis, sem foro privilegiado e nenhum mandato, Bolsonaro não terá as mesmas condições de 2018 para continuar em evidência. Tampouco pode repetir a trajetória de seu ídolo Donald Trump, já que está longe de controlar o PL como o magnata controla o Partido Republicano. Além disso, a antiga  coalizão bolsonarista segue em rápida fragmentação, como se vê na disputa pela liderança da bancada evangélica. O posto de líder da direita é cobiçado também pelos governadores reeleitos Eduardo Leite e Romeu Zema, mirando o Planalto em 2026. Isso sem contar que o espaço ocupado pelo PSDB até a década passada continua vago e sob olhar atento do PSD. Por enquanto, oposição mesmo ao governo Lula só nas sombras das casernas, com uma pauta de reivindicação bem precisa: que o governo não mexa em privilégios e nem em cargos comissionados da Defesa.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Vamos sentir saudade da ganância e do cinismo. Na Folha de S. Paulo, o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman demonstra como o Partido Republicano se tornou um partido de fanáticos pautados pela guerra cultural trumpista.

.A culpa é do Tite? Passada a Copa do Mundo, o professor Fabio Luis Barbosa dos Santos (Unifesp) avalia que a identificação com a seleção é também um desejo de um futuro que não se realiza.

.Ratzinger, o papa que entregou o 3º mundo aos neopentecostais. No GGN, Luis Nassif lembra o papel de Bento XVI para que a Igreja Católica fosse ainda mais conservadora e distante dos pobres.

.Florestan Fernandes e os Panteras Negras. No A Terra é Redonda, Paulo Fernandes Silveira (USP) conta como o encontro do partido marxista negro impactou  as elaborações do maior sociólogo brasileiro.

.Guilhotina #196 - Paulo Capel Narvai . No podcast do Diplô Brasil, Luís Brasilino conversa com o professor de saúde pública sobre a história e potencialidade do SUS.

.A tradição negra radical à frente do Ministério. Leia na Jacobin, a transcrição do discurso histórico de Silvio Almeida em sua posse como Ministro dos Direitos Humanos.

Em janeiro, nossa periodicidade será quinzenal. Nos encontraremos novamente no próximo dia 13 de janeiro.

Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

 

 

 

 

Edição: Vivian Virissimo