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Adeus, Lulinha paz e o amor

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Lula abriu uma nova frente de batalha contra a política de juros altos do Banco Central e não parece preocupado com o mimimi do mercado - Ricardo Stuckert/PR
O vento virou e agora é Lula quem dá as cartas da política interna e externa

Olá, para insatisfação do mercado e dos adeptos do “deixa disso”, o vento virou e agora é Lula quem dá as cartas da política interna e externa.

 

.Fogo no parquinho da Faria Lima. Todos sabiam que, depois de eleito, Lula não teria descanso. Em pouco mais de um mês, enfrentou e saiu vitorioso no terceiro turno bolsonarista, no caso dos Yanomami e nas eleições no Congresso. Mas, para os que achavam que agora seria hora de “acalmar os ânimos”, Lula abriu uma nova frente de batalha contra a política de juros altos do Banco Central e não parece preocupado com o mimimi do mercado. Longe de estar comprando uma briga desnecessária, a batalha de Lula é estratégica e calculada. Em primeiro lugar, é uma forma de pautar a agenda política do país. E qual o principal obstáculo para garantir o crescimento econômico, condição para o principal compromisso de campanha, o enfrentamento às desigualdades sociais? O governo diagnosticou corretamente que crescimento e juros altos são incompatíveis. E a hora para resolver o problema é agora. Afinal o ano está recém iniciando e a economia ainda pode ser alavancada. O plano do governo é retomar obras nos estados para impulsionar o crescimento, mas os juros altos inviabilizam os investimentos. Além disso, o novo Congresso é mais conservador, e é importante que o governo paute sua agenda lá antes de ser pautado por ele. Por isso, Lula lembra que a responsabilidade pela nomeação de Campos Neto também é do Senado, que sabatinou e aprovou sua indicação. Rodrigo Pacheco parece ter entendido o recado e entrou em cena, assim como a base governista dentro da Câmara. Ou seja, ao contrário das avaliações feitas pelo mercado, Lula não está isolado na batalha contra os juros. O que não significa que ele acredite que a autonomia do Banco Central possa ser revertida no curto prazo. O objetivo mais provável é a busca de um consenso pró-crescimento, fazendo pressão sobre Campos Neto ou responsabilizando-o pelo baixo desempenho econômico do país.

.O tira bom. O conflito tem ainda outras funções: mostra que o presidente não pretende governar como a rainha da Inglaterra e entendeu que precisa tensionar o cenário político se quiser reverter a herança bolsonarista. Claro, a jogada ajuda também a tirar de foco o difícil conflito do governo com os militares envolvidos na aventura golpista de 8 de janeiro. Mas é na área econômica que os principais resultados são esperados e, enquanto Lula bate, Haddad pode assoprar e apresentar-se como mediador. Neste caso, a jogada é combinada, já que o Ministro não tem a mesma força política que o presidente para pressionar o BC ou enfrentar a saraivada do mercado. Lula faz o trabalho duro e Haddad vem depois para negociar. Se a tática der certo, o governo deve conseguir aumentar a meta de inflação ou reduzir os juros. Porém, Haddad não será sempre coadjuvante. Aprovar a reforma tributária é sua responsabilidade. A proposta do governo é dividi-la em duas Emendas Constitucionais: no primeiro semestre, simplificar a tributação sobre mercadorias e consumo e, no segundo semestre, mudar a tributação de renda. Na primeira, o governo tem a seu favor a boa recepção da Câmara para a PEC apresentada por Baleia Rossi (MDB), elaborada pelo atual secretário da reforma tributária Bernard Appy. Já na segunda, não deve haver taxação de super ricos, mas possivelmente a isenção do imposto para quem ganha até dois salários mínimos e a caça ao “sonegador costumaz”. 

.O cara está de volta. Outro fator que pode pesar na disputa interna com o mercado serão os resultados da viagem de Lula e Haddad para o encontro com Joe Biden, numa visita determinante para a geopolítica local e global. Os assuntos em Washington dizem muito mais a respeito da atual correlação de forças internacionais do que necessariamente da parceria entre os dois países. A ação da extrema direita mundial está na pauta do encontro e Lula propõe maior regulação das corporações de tecnologia para combater as fake news, um assunto delicado para Biden, que tem vários de seus financiadores no setor. Para evitar constrangimentos, a presença de um certo ex-capitão brasileiro na Flórida não será mencionada. Dentro do reposicionamento do Brasil no tabuleiro internacional, Lula vai colocar na mesa uma proposta de mediação para a paz na Ucrânia e pedir o fim do embargo para Cuba e Venezuela. Pragmaticamente, Lula e Marina Silva vão recuperar a proposta de Biden de colocar 20 bilhões de dólares na Amazônia, proposta rejeitada pelo governo passado. Neste primeiro giro internacional, Lula se deparou com o avanço da China sobre os parceiros locais e a possibilidade dos tratados bilaterais com os chineses implodirem o Mercosul. Em março, é a vez do brasileiro se encontrar com Xi Jinping. Se Biden não tiver nada para oferecer agora, vai ver os principais adversários avançarem sobre o maior país do continente e ganhar seu líder mais carismático e com mais trânsito na região. 

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Negacionismo de Erdogan agravou tragédia na Turquia.  Na Rede Brasil Atual, como a conivência do governo turco com construtoras agravou a tragédia dos terremotos.

.A ‘guerra do lítio mineral’ e o Império na América Latina. No Sul21, Bruno Beaklini explica porque Argentina, Bolívia e Chile são alvos de corporações e instabilidades políticas.

.Light é a bola da vez e está à beira do abismo com dívida bilionária. Acionista das Americanas, Carlos Alberto Sicupira deve quebrar também a empresa de energia elétrica carioca. Na Rede Brasil Atual.

.A questão indígena no pensamento militar brasileiro. Bruno Oliveira explica porque os militares consideram os indígenas um problema para o desenvolvimento nacional. No Le Monde Brasil.

.As atas secretas do Comitê da Crise do Covid. A Agência Pública teve acesso às atas de 233 reuniões do Planalto sobre a covid e mostra como a Defesa se empenhou em produzir cloroquina e queria transformar a Bahia num “exemplo de sucesso” do uso do vermífugo. 

.Por que você provavelmente está comendo plástico. A BBC apresenta as assustadoras pesquisas sobre a disseminação do microplástico no meio ambiente e na alimentação humana.

.Filhos de garis, pedreiros e faxineiras: 1ª turma com cotistas negros se forma na Faculdade de Direito da USP. Quem são os 35 jovens que enfrentaram preconceitos para ocupar espaço na prestigiada faculdade paulista.

.MST: a fórmula arroz-com-feijão do modelo de negócios para socializar os orgânicos. Como a produção orgânica e a reforma agrária fazem a rede comercial do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra crescer sem inflacionar os preços dos alimentos.

.Novo livro de crônicas revela as várias versões de Vinicius de Moraes. A Companhia das Letras publica 172 textos pouco conhecidos do poeta, letrista, cantor e diplomata.

Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

 

 

 

Edição: Vivian Virissimo