Coluna

Grito em ondas curtas

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Houve uma época em que os bares da minha terra tinham sempre mesas para o jogo de baralho
Houve uma época em que os bares da minha terra tinham sempre mesas para o jogo de baralho - Reprodução
Zeca disse que medo de assombração ele não tinha... seu único medo era de dentistas!

Faz tempo que não conto aqui um causo de mentirosos. Hoje vou contar um. O personagem deste é o Zeca, meu conterrâneo.

Houve uma época em que os bares da minha terra tinham sempre mesas para o jogo de baralho. E o jogo era sempre truco, caracterizado pelos gritos e xingamentos. No truco, o bom jogador tem que saber blefar, mas é diferente do pôquer em que os jogadores ficam em silêncio total, nem piscam. No truco, chegam a subir na mesa gritando.

Se um dos jogadores grita “truco”, aquela rodada passa a valer três tentos, em vez de um. E segue-se um monte de insultos. Um dos xingamentos que me divertiam era “reboco de igreja velha”. Diziam que antes de usarem cimento para rebocar paredes, usava-se o esterco de vaca para misturar com a areia. Usavam muito isso para rebocar igrejas. Daí o xingamento.

Bom, o certo é que do meio da praça escutavam-se gritos, vindos de todos os bares.

Na barbearia do meu pai, uns fregueses comentavam sobre essa gritaria e o Zeca entrou no assunto, dizendo que, em 1952, ele foi campeão de truco de Minas Gerais. Um campeonato que não existiu, mas todo mundo fingiu acreditar, porque se alguém desmentisse, o Zeca partia pra briga.

E ele continuou: “eu gritava muito mais forte do que esse pessoal aí. Quando eu gritava truco, escutavam longe”.

O assunto mudou para coisas de medo de assombrações e outros medos mais perigosos.

O Zeca entrou no assunto de novo. Ele disse que medo de assombração ele não tinha... seu único medo era de dentistas! Tinha pavor de dentista. E contou que uma época estava com um dente ruim, precisava extrair, mas não contava pra ninguém, porque sabia que a mãe dele iria querer que ele fosse ao dentista.

Um dia, ele soube que um povoado a cerca de dez quilômetros de distância, chamado Mata do Sino, tinha recebido um dentista muito bom. Arrancar dentes não ia doer nada. Resolveu ir lá sem falar com ninguém, pois, se na hora batesse o medo, ele voltava e ninguém ficaria sabendo.

Perguntaram pra ele: “e não doeu?”.

Ele respondeu: “quá! Foi uma dor desgraçada! Na hora que o dentista pôs o boticão no meu dente, eu dei um grito tão forte que aqui na cidade a minha mãe, que estava conversando com uma vizinha, reconheceu meu grito e falou pra ela: ‘ou o Zeca saiu com o zap ou tá arrancando um dente’”.

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos. 

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Gomes