Coluna

Sem dias de paz

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O general Gonçalves Dias pediu demissão do GSI na quarta-feira (19) - Divulgação/GSI
Ninguém sabe ainda qual é a real base de Lula no Congresso

Olá, Lula voltou da China com uma nova saraivada de problemas para enfrentar. E, agora, todas as soluções passam pelo Congresso.

.Que tiro foi esse? Até agora não se sabe de onde partiu e qual o endereço do tiro disparado pela CNN ao vazar imagens sigilosas do dia 8 de janeiro. A peripécia tem cheiro de retaliação contra o governo, já que os grandes veículos de comunicação estão claramente insatisfeitos com o reposicionamento da política externa de Lula. Vindo da CNN, uma agência norte-americana de notícias, não é de se duvidar. E como as imagens teriam chegado à emissora? Através da PF ou do próprio GSI, comprovando que o chefe do Gabinete, general Gonçalves Dias, "perdeu o controle da tropa". Seria uma boa oportunidade para desgastar o governo? Talvez. Ninguém sabe ainda qual é a real base de Lula no Congresso e as insatisfações populares começam a aparecer nas pesquisas de opinião. Nesse caso, a queda de Gonçalves Dias abre caminho para a instalação de uma CPI do 8 de janeiro controlada pela oposição justamente no momento que a proposta do novo arcabouço fiscal chega ao Congresso. Mas se a intenção foi essa, o tiro pode sair pela culatra. Afinal, o governo sentiu o golpe e também passou a defender a CPI. Além disso, Lula tem se esforçado para reduzir a presença de militares no alto escalão e a substituição de Gonçalves Dias por Ricardo Cappelli seria mais um passo para desmontar o aparato militar montado pelo general Heleno e colocar o GSI sob controle civil, avalia Rodrigo Lentz, ou até extingui-lo. O problema é que o governo não tem controle sobre o tempo político do processo, como ficou claro essa semana. Mesmo assim, o fato se insere num conjunto de ações mais amplas, que inclui um projeto que autorizaria a CGU a investigar irregularidades cometidas por militares no exercício de funções públicas. Além disso, as imagens veiculadas pela CNN tendem a legitimar a Operação Lesa Pátria da PF que prendeu recentemente um tenente-coronel da Aeronáutica por envolvimento nos atos de janeiro, bem como respaldam o STF que formou maioria para tornar réus os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, além das possíveis conexões entre estes e o Gabinete do Ódio da família Bolsonaro.

.Beijing no ombro. Ao voltar da China, Lula trouxe uma bagagem de acordos, perspectivas futuras, mas também de novos problemas. O balanço geral sem dúvidas é positivo. O governo conseguiu atualizar sua agenda internacional, especialmente depois que as conversas com Joe Biden e a União Europeia não prosperaram. Igualmente importante é que os acordos assinados com a China vão além do setor agroexportador, incluindo também a colaboração nas áreas de pesquisa espacial, investimentos em tecnologia da comunicação, cooperação industrial e combate à fome. Como não poderia deixar de ser, as críticas de Lula à participação dos membros da OTAN na guerra na Ucrânia gerou descontentamento dos Estados Unidos e choradeira na mídia local. Lula até fez um meio termo no dia seguinte, mas o sinal da mudança já foi dado. E se fica mais difícil o Brasil assumir um papel de neutralidade para mediar o conflito entre a OTAN e a Rússia, as contrapartidas são vantajosas: o Brasil consolida sua relação com as potências orientais, pode sonhar com uma vaga no Conselho de Segurança da ONU e a proposta de um acordo nuclear com a Rússia talvez saia do papel. Mais perto de casa, Lula também aposta em estreitar laços com os países vizinhos, a começar pela reconstrução da UNASUL, e também pelo pagamento das dívidas atrasadas do Brasil com o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM), que estavam pendentes desde 2014.

.Vai ter Shein. Se a crise do GSI e o posicionamento dos EUA são problemões, isso não significa que os outros problemas de Lula sejam menores. O principal deles é que sem aprovação do novo arcabouço fiscal e a queda da taxa de juros, o país não vai a lugar nenhum. A nova regra fiscal disponibilizaria R$ 172 bilhões para investimentos. Sem o arcabouço, sobram míseros e insuficientes R$ 24 bilhões. Além disso, a economia é a principal responsável pela queda de aprovação e o aumento em 9% da reprovação ao governo, segundo a Genial Quaest. E se depender da iniciativa privada, a indústria brasileira vai de mal a pior, com redução de produtividade nos últimos anos e crise na produção agravada pela alta dos juros, o que a torna pouco competitiva no mercado internacional. Logo, o governo tem pressa e Arthur Lira promete uma aprovação rápida. Esta votação é justamente o teste que governo e parlamentares precisam para saber, afinal, quem é governo e quem é oposição num Congresso que não trabalhou até agora. Apesar da boa reação do Legislativo e do mercado, o novo marco fiscal não significará vitória no tema da taxa de juros, já que Campos Neto continua vendo riscos inflacionários, culpando o cŕedito subsidiado e agarrando-se a qualquer justificativa para manter os juros nas alturas. Evidentemente, ganha o afago do FMI e dos bancos, que consideram um absurdo limitar o juro do cartão de crédito a 150% ao ano. Para além dos desafios econômicos, não é apenas no GSI que Lula enfrenta vazamentos e fogo amigo. Na disputa pela vaga no STF, Cristiano Zanin foi tão alvejado que Lula quer apressar sua indicação para evitar um desgaste maior com as especulações sobre o tema. E outros problemas são fruto da falta de comunicação do governo, a exemplo da taxação de importações chinesas, em que a defesa de Haddad e Janja foi tão torta que obrigou o governo a desistir da proposta.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Empresas de armas e segurança miram governo e polícias para lucrar com “guerra urbana”. Na maior feira de armas da América Latina, se tentou vender de tudo: de blindados usados na Palestina a balas de fuzil que matam mais rápido. Na Pública.

Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Nicolau Soares