luta por justiça

Pedidos por justiça e proteção a servidores da Funai marcam ato em memória de Bruno e Dom no DF

Realizada na UnB, atividade reuniu indígenas, servidores públicos e contou com a presença de Marina Silva e Chico César

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Lideranças indígenas, autoridades e indigenistas relembram legado de Bruno Pereira na proteção dos povos indígenas e pedem por justiça - Bianca Feifel

Lideranças indígenas, servidores públicos, indigenistas e representantes do poder público participaram do ato em memória do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, que aconteceu na segunda (5), na Maloca da Universidade de Brasília (UnB).

A data marca um ano do assassinato dos homenageados que foram mortos a tiros em expedição pelo Vale do Javari, no Amazonas. Maxciel Pereira, indigenista e servidor da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), assassinado com dois tiros na cabeça em Tabatinga (AM) em 2019 também foi lembrado. 

Em áudio enviado à amiga e companheira de trabalho Danielle Brasileiro e reproduzido durante o ato, Bruno Pereira fala de como se sentia com a “boca amarga” diante das políticas anti-indígenas do governo Bolsonaro. “Tem sido bem difícil esse modo autoritário, ameaçador. Esse presidente ameaça todo mundo, bota na parede, e acaba que os servidores ficam mais acuados [...], mas vamos 'simbora', isso vai passar e o sol há de brilhar de novo, como você disse”, afirma em trecho do áudio. 


Lideranças indígenas em ato em memória de Bruno Pereira e Dom Phillips / Bianca Feifel

Mônica Carneiro, indigenista e representante do Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Distrito Federal (Sindsep-DF) também denunciou em sua fala o assédio moral, institucional e o sucateamento “sem precedentes” que a Funai sofreu durante a presidência de Bolsonaro.

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“A gente estava sendo praticamente pressionado a prevaricar. A gente tinha que escolher se a gente ia fazer nosso trabalho, que consiste em proteger e promover os direitos dos povos indígenas do Brasil, ou se a gente ia defender o bolsonarista do Marcelo Xavier”, destacou a indigenista. 

Marcelo Xavier, que ocupou a presidência da Funai durante o governo Bolsonaro, foi indiciado, no dia 19 de abril, pela Polícia Federal (PF) pelas mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips. Xavier é acusado de homicídio com dolo eventual. Segundo a PF, apesar de saber dos riscos de violência na região, ele não tomou nenhuma providência protetiva. A decisão da Polícia Federal cita alertas e pedidos de ajuda feitos por servidores públicos que atuavam na terra indígena e uma ação judicial por mais segurança no local, ambos ignorados.

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Mônica Carneiro reforçou que esse “desfecho trágico” da morte de Bruno e Dom poderia ter sido evitado se “a gente tivesse mais compromisso da gestão do Marcelo Xavier e do Jair Bolsonaro dentro da política indigenista”, e exigiu a punição de todos os envolvidos. 

“A gente exige a punição de toda a cadeia de crime organizado que atua na região Norte do país. Não só as pessoas que executaram eles, mas os mandantes. Que isso seja investigado, que essas quadrilhas sejam desarticuladas e que eles sejam todos punidos. E além disso, que sejam punidos todos aqueles que colaboraram por ação ou por omissão para esse desfecho trágico, porque a gente sabe que se servidor estava sendo ameaçado, a obrigação do Estado é promover a proteção desse servidor”, completou a indigenista.

Logo após o desaparecimento do indigenista e do jornalista, em junho de 2022, os servidores da Funai entraram em greve. Joenia Wapichana, atual presidenta do órgão, destacou a importância e o compromisso com a valorização e a proteção dos servidores públicos.

Segundo ela, é necessário “fortalecer a Funai, para fortalecer os povos indígenas”.


Joenia Wapichana, presidenta da Funai, firmou compromisso com a valorização e proteção dos servidores públicos da Funai / Bianca Feifel

Beatriz Matos, viúva de Bruno e diretora do Departamento de Proteção Territorial e de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato no Ministério dos Povos Indígenas (MPI), disse que está acontecendo uma transformação em relação ao meio ambiente e aos povos indígenas após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

“Inclusive no funeral do Bruno, o presidente Lula me ligou e falou: ‘Beatriz, você pode ter certeza que se eu for eleito, não vai ter garimpeiro mais em terra indígena, não vai ter invasor de terra mais, não vai ter madeireiro ilegal em terra indígena mais'. Eu acredito piamente que ele está cumprindo aquilo que ele falou comigo naquele dia”, contou. 

Reconhecimento 

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva também esteve na Maloca da UnB para o ato em memória de Bruno e Dom. Segundo ela, é importante reconhecer o trabalho essencial realizado pelo indigenista na proteção dos povos indígenas, mas a morte dele “traz um alerta, um olhar para essa história de alguém ter que se sacrificar”. 

“Bruno e Dom perderam suas vidas porque infelizmente nós ainda somos uma sociedade que produz heróis. Não há um problema em ter heróis. Mas a produção de heróis é uma denúncia. Quando uma sociedade, uma cultura produz heróis, é porque são aqueles que fazem aquilo que a maioria da sociedade é quem deveria estar fazendo. Se um funcionário público, que inclusive foi demitido, vai trabalhar quase que por conta própria junto com os indígenas e perde sua vida, tem alguma coisa errada”, afirmou a ministra. 

Marco temporal e a violência nos territórios indígenas

A ministra Marina Silva também criticou o PL 490, que busca instituir o marco temporal para demarcação de terras indígenas, aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 30 de maio 

“Por que quem ocupou terra recentemente, grilando terra da União, vai poder ter regularização fundiária? Por que quem está aqui há milhares de anos antes desse território ser ocupado pelos portugueses, vai precisar estar até 1988?”, questionou Marina Silva em relação à tese do marco temporal que estabelece como critério para a demarcação a presença dos indígenas no território na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Segundo Marina Silva, o marco temporal é “uma injustiça que não tem explicação ética, não tem sustentação política e não tem sustentação moral”. “Então, é com essa força moral que nós vamos trabalhar para que a gente tenha a base legal para continuar demarcando”, prometeu a ministra. 


Ministra do Meio Ambiente Marina Silva relembrou do trabalho de proteção aos povos indígenas realizado por Bruno Pereira e criticou marco temporal / Bianca Feifel

A crítica e resistência ao marco temporal foi praticamente uma unanimidade entre as reivindicações dos presentes no ato em memória de Bruno e Dom. Bruno Potiguara, diretor do Departamento de Gestão Ambiente, Territorial e Promoção ao Bem Viver Indígena no MPI afirmou que o indigenista e o jornalista “não foram os primeiros e também não serão os últimos”. 

“Infelizmente esses ataques que ceifaram a vida do Dom e do Bruno seguem hoje sendo feitos da mesma forma, até mesmo com uma tentativa de legalização. Porque o marco temporal vai levar de uma forma mais acirrada para dentro dos territórios essa violência que acontece e ceifa a vida dos nossos companheiros”, disse. O ato contou ainda com uma apresentação de Chico César, que cantou em homenagem a Bruno e Dom.

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Ato em memória do indigenista Bruno Pereira e jornalista Dom Phillips aconteceu em várias cidades do país / MAURO PIMENTEL / AFP

Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino