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O caminhão do Mané

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Um dia, depois de uma boa safra de café, ele teve dinheiro pra comprar um caminhão velho do Orlando, um amigo da cidade - Unsplash
Na segunda curva, passou reto, levando a cerca de arame no peito, descendo a ribanceira

O meu conterrâneo Mané era um pequeno produtor de café e tinha uma vendinha na roça, ao lado do campo de futebol. Ele era fascinado por qualquer tipo de caminhão, mas pronunciava cuminhão. 

Falava sempre pro irmão:

— Zé, eu inda vô tê um cuminhão.

O irmão não apoiava, dizia:

— Mané, ocê é da roça, entende de café, arroz, gado e dessa vendinha. Pra que vai querê cuminhão? Cuminhão é pra gente da cidade!

O Mané argumentava:

— Ara, Zé, o que levantô o povo do cumpadre Abio e o Vicentão? Fui cuminhão, Zé!

E o irmão rebatia:

— Óia, Mané, o cuminhão levantô o povo do Abio e o Vicentão, mas vai acabá deitando ocê.

Um dia, depois de uma boa safra de café, ele teve dinheiro pra comprar um caminhão velho do Orlando, um amigo da cidade. 

Depois do negócio feito, tinha que aprender a dirigir para o levar o caminhão pra casa. O Orlando levou o caminhão até o campo de futebol e lá ensinou algumas coisas pro Mané: 

— Você liga o caminhão com o câmbio nesta posição, em ponto morto. A primeira marcha é pra lá, a segunda pra cá...

Deram umas três voltas no campo, com o Mané dirigindo e babando de excitação, aprendendo a virar pra um lado e pro outro, a dar marcha à ré, e pronto! Mais um motorista rural estava credenciado. 

O Orlando levou o caminhão até a saída da cidade e entregou pro Mané, que falou:

— Daqui um pouco tô passando no Corgo Cavalo, jogando poeira naquele povo que num creditava que eu ia tê um cuminhão. 

Acelerou e saiu meio desembestado, meio alucinado. Na segunda curva, passou reto, levando a cerca de arame no peito, descendo a ribanceira pelo pasto afora, batendo em árvores e, em seguida, atolando no brejo lá embaixo, a uns duzentos metros da estrada. 

Voltou a pé para a cidade. Foi direto à oficina do Dito Miguelão procurar socorro:

— Dito, meu cuminhão tá atolado no brejo. Pega as ferramenta e vamo lá procê tirá ele, que acho que ele tá com defeito.

— Qualé o defeito, Mané? — perguntou o mecânico.

Ele não quis passar por barbeiro e desconversou:

— Resolvi cortá o caminho por aquele brejo ali pra baixo da Boa Vista, mas o cuminhão atolô que num teve jeito.

— Mas você acelerou bem, pra ver se ele não saía? — perguntou o Dito, e ele respondeu:

— Chalerei, chalerei e ele num saiu do lugar. Tirei a botina e chalerei com o dedão e num diantô nada...

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Douglas Matos