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A birosca da Delza

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“Brasília parece o Cerrado, que é o bioma daqui. De longe parece tudo igual, mas você entrando nele vê que tem muitos detalhes” - Unsplash
Eu gostava de ir às cidades satélites, especialmente ao Paranoá

Já contei que não gostava de Brasília nas primeiras vezes que fui lá, a trabalho. Mas tempos depois, numa das vezes em que tive que me mandar de São Paulo por falta de alternativas aqui, sem emprego, fui morar lá. 

Um amigo vinha me chamando havia tempos para trabalhar numa emissora de TV e eu evitava. Respirei fundo e fui, procurando tirar qualquer preconceito da cabeça. “Vou de espírito aberto”, pensei.  E foi bom. 

Além de um ótimo emprego, da recepção calorosa pelo meu amigo e amigos dele, comecei a achar que em Brasília era tudo muito prático, fácil. Uma cidade boa de se morar. 

Uma amiga geógrafa que morava lá me disse um dia: “Brasília parece o Cerrado, que é o bioma daqui. De longe parece tudo igual, mas você entrando nele vê que tem muitos detalhes”.

Era isso mesmo; cada quadra tinha alguma coisa diferente. Sei que mudou bastante, para pior, ficou cheia de bolsonaristas. Tomara que volte a melhorar.

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Eu gostava de ir às cidades satélites, especialmente ao Paranoá, criada para abrigar moradores de uma favela próxima. Parecia cidade nordestina, com gente andando "pra lá e pra cá" o dia inteiro. 

E, logo na entrada, tinha uma feira coberta num lugar que dava uma belíssima visão da cidade, com o lago lá embaixo, depois algumas construções do governo, a Praça dos Três Poderes, em seguida a Esplanada do Ministério e a cidade se esparramando para os dois lados, como as asas de um avião.

Na feira, eu frequentava a birosca da Delza, maranhense muito esperta, militante de movimentos sociais e professora voluntária em cursos de alfabetização de adultos. Durante a semana, trabalhava como empregada doméstica, e uma filha cuidava da birosca. Sábado e domingo ela assumia o bar, bem humorada, e quase sempre com a companhia de uma netinha de uns quatro anos de idade que nunca descobri o nome. 

A menina mudava. Cada mês gostava de um nome. Eu chegava cumprimentando – “oi Simone” – e ela me repreendia: “Meu nome é Natália”. No mês seguinte virava Andreia, Camila ou seja lá que nome fosse. E a Delza ria.

Quando qualquer um pedia uma bebida, a Delza cumpria o ritual de qualquer birosca da periferia de Brasília: trazia, de graça, meio copo de mocotó fortíssimo, que garantia ser um afrodisíaco de primeira. 

Eu dizia que não precisava de afrodisíaco... Mas virei freguês.

 

Edição: Douglas Matos