Transexualidade

Festival Periferia Trans discute identidade de gênero “nas margens” da cidade

Evento, que começa neste sábado (2) e vai até 1º de maio, ocorrerá em sede de companhia teatral no Grajaú

São Paulo |
Na segunda edição do evento, a programação reunirá artistas que dialogam com as identidades da sigla LGBTT
Na segunda edição do evento, a programação reunirá artistas que dialogam com as identidades da sigla LGBTT - Divulgação

01/04/2016

A partir deste sábado (2) e em todos os fins de semana até 1º de maio, o Festival Periferia Trans discutirá identidade de gênero e sexualidade dos moradores das periferias, na sede da Cia Humbalada, no Grajaú, na zona sul de São Paulo.

Na segunda edição do evento, a programação reunirá artistas que dialogam com as identidades da sigla LGBTT, composta por lésbicas, gays, bixessuais, transexuais e transgêneros.

“É engraçado como o evento causa a percepção óbvia de que existe bicha na periferia”, afirma o ator da Cia Humbalada, Bruno César Lopes, curador do festival. “Nós existimos aqui. Estamos aqui espalhadas e acho que, em primeiro lugar, o festival tem a intenção de unir todas nós, bichas, trans, sapatas, bis, para juntar força no bairro onde moramos. A ideia nunca foi e nem nunca será a de trazer cultura LGBT pra periferia, pelo contrário, é mostrar que aqui já existe uma força cultural pulsante”, acrescenta.

Estão confirmados no evento o rapper Rico Dalasam, a banda “As Bahias e a Cozinha Mineira” e o cantor Liniker. Além das atrações musicais, haverá apresentações de teatro, performances de drag e debates (confira programação completa).

“'Fui achando parceiras e parceiros e liguei na cara de pau oferecendo um cachê bem baixo. Todos toparam por militância. Tem artista nessa edição que não está recebendo cachê nenhum, como “As Bahias e a Cozinha Mineira”, por exemplo. Estão vindo pela luta”, conta Bruno.

Confira entrevista na íntegra:

Brasil de Fato – Qual a proposta do Periferia Trans?

Bruno César – Tudo começou quando percebi que a militância LGBT era muito calcada no centro de São Paulo. Todas as vezes em que eu tinha que participar de algum debate tinha que percorrer mais de uma hora até o centro pra participar e falar das minhas aflições daqui da periferia. Pensei "Por que não discutir isso aqui?! Onde de fato vivemos?". Daí surgiu a ideia do Festival, que já está no seu segundo ano, de fazer uma grande programação artística LGBT no Galpão Humbalada, onde o grupo de teatro que faço parte atua aqui no Grajaú. É engraçado como o evento causa a percepção óbvia de que existe bicha na periferia. Nós existimos aqui. Estamos aqui espalhadas e acho que, em primeiro lugar, o festival tem a intenção de unir todas nós, bichas, trans, sapatas, bis, pra juntar força no bairro onde moramos. A ideia nunca foi e nem nunca será a de trazer cultura LGBT pra periferia, pelo contrário, é mostrar que aqui já existe uma força cultural pulsante. Que as viadas já estão aqui causando nas ruas, nas escolas, nos equipamentos públicos, e que nosso modo de vida e de se expressar também é cultura. Em segundo lugar, temos o objetivo também de tornar o tema gênero e sexualidade uma discussão pública e tirar a falsa ideia de que sexo é algo do âmbito estritamente privado. É preciso discutir essas questões no âmbito público e pressionar para que essas políticas aconteçam na periferia. Que a dona Maria discuta sexualidade com a mesma importância que discute hospital público, creche, escola. Temos conquistar espaços subjetivos e políticos.

Como viver na periferia marca a trajetória de uma pessoa da comunidade LGBTT?

Bruno César – A periferia é historicamente machista. Aliás, acho que a história da humanidade é machista. Tudo sempre narrado do ponto de vista de um homem, branco, hetero e europeu. Se você caminhar pelas ruas e vielas do Grajaú, vai perceber que quem desfruta do espaço da rua são os homens, sentados no bar, jogando baralho, rindo, conversando. Enquanto isso, na sua maioria, as mulheres ocupam os espaços domésticos, indo levar e buscar suas filhas na escola, cozinhando e limpando. Falar de gênero e sexualidade por aqui é falar justamente disso. Desse espaço que o "feminino" ocupa na periferia. Ser bicha aqui é enfrentar diariamente essas questões na pele, muito diferente do que em espaços elitistas. Sem contar as inúmeras igrejas sendo abertas a cada esquina. Não que a religiosidade seja um problema, mas, sim, o massacre de outras experiências em nome de um Deus. A luta LGBT precisa começar a falar de raça, gênero e classe social. A Periferia Trans tem essa intenção, de juntar toda a galera pra traçar estratégias de sobrevivência juntas.

O que mudou em relação a proposta do ano passado?

Bruno César – Cada vez mais estamos investigando o termo “trans”. No primeiro ano, o tema foi "Meu corpo é político". Desta vez, quisemos continuar com a discussão do corpo. Entendemos o corpo como uma ação micro política social. Quer dizer, quando eu caminho com este corpo bicha, com minhas roupas coloridas ditas "femininas", quando pinto minhas unhas, quando coloco um brinco grande na orelha, estou fazendo do meu corpo uma grande plataforma de transgressão social. O meu caminhar até a padaria já começa a se tornar uma ruptura da normalidade. É dessa luta que estamos falando: do viver enquanto luta. O termo “trans”, para nós, tem a ver também com transgressão, transitoriedade, transbordamento. São corpos que não aceitaram a imposição da natureza biológica e que fizeram da marginalidade uma outra forma de existência, tão potente e tão linda como qualquer outra. Como seria pensar uma periferia trans? Uma cidade trans? Uma visão de mundo trans? Estamos em busca justamente dessas respostas.

Como foi a escolha dos artistas convidados e como foi feito o contato com eles?

Bruno César – Ao longo do ano passado fui assistir trabalhos com temáticas LGBT. Fui à caça e venho percebendo como ainda carecemos de trabalhos artísticos com essa temática. Na dança, por exemplo, é muito difícil encontrar algum trabalho nessa área. Fui achando parceiras e parceiros e liguei na cara de pau oferecendo um cachê bem baixo. Todos toparam por militância. Tem artista nesta edição que não está recebendo cachê nenhum, como “As Bahias e a Cozinha Mineira”, por exemplo. Estão vindo pela luta. E isso é o que mais me motiva.

Confira aqui a programação completa do evento

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