Soberania

Brasil retrocedeu na busca por independência, afirmam especialistas

Mudança de rota na política internacional e avanço liberal estão entre os destaques do novo cenário

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Manifestação de petroleiros no Paraná contra política de provatização
Manifestação de petroleiros no Paraná contra política de provatização - Arquivo FUP

Neste 7 de setembro de 2018, data em que o Brasil rememora os 196 anos de independência política em relação a Portugal, o país amarga uma conduta geopolítica e diplomática que o coloca numa posição de subordinação a interesses externos e o distancia da conquista de uma efetiva soberania.

É o que afirma a cientista política Tatiane Berringer, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). Ela destaca a mudança de rota que o país tem feito no que se refere à relação com os países vizinhos. A pesquisadora ressalta ainda que o Brasil havia conquistado, na história recente, uma posição de destaque em organizações como a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), o Mercosul e o Brics, que reúne também Rússia, Índia, China, África do Sul.

O atual contexto de avanço conservador e neoliberal teria jogado o país para uma posição de maior conexão com o passado de subordinação aos interesses externos. A postura combativa em relação à Venezuela e a submissão à pauta imposta pelos Estados Unidos são exemplos que ajudariam a ilustrar o novo cenário.

“Ele [o Brasil] tinha alcançado uma margem de manobra muito importante, na qual, através de relações com os demais Estados dependentes, com coalizões e uma prioridade na integração regional, ele tinha conseguido enfrentar certas posturas e posições dos Estados integralistas e assumir um outro patamar, e isso foi rapidamente dissolvido com o golpe de Estado de 2016”, analisa.

A mudança de rota no campo diplomático se desenrola num contexto em que o país é alvo de medidas como a negociação da Base de Alcântara, no Maranhão, junto aos Estados Unidos; a abertura da exploração do pré-sal para as multinacionais; as privatizações de empresas públicas, geralmente destinadas a mãos estrangeiras, entre outras ações.

Todas elas sem o respaldo dos segmentos populares, como destaca o historiador Leidiano Farias, da coordenação nacional da Frente Brasil Popular (FBP), para quem a busca por soberania e independência do país não pode ser descolada dos interesses desses grupos. Ele destaca que a desvinculação política do Brasil em relação à metrópole portuguesa, em 1822, não trouxe, ao longo do tempo, a construção da cidadania política e social.

Essa realidade, na visão da FBP, está fortemente estampada nos tempos atuais, diante da tomada de grandes decisões sem um debate efetivo e permanente entre forças populares e agentes do Estado.

“O governo Temer é a prova disso. Todo o processo de negociação da base de Alcântara, de privatizações representa a fragilidade da nossa cidadania e, consequentemente, da nossa soberania nacional. Então, a constituição do Brasil como nação ainda é algo a ser construído”, analisa.

Olhando para o futuro, ele avalia que o caminho para a mudança de rumo e a construção da independência estaria no protagonismo popular.

“[Isso] está relacionado à capacidade de o povo brasileiro controlar o seu próprio destino. Esse elemento da participação popular é determinante pra conquista da soberania nacional”, finaliza.

Passado

O historiador e escritor Airton de Farias reflete sobre a trajetória do Brasil nos últimos séculos para encontrar, nas raízes do passado, a explicação para o que se desenrola no tempo presente. Para ele, o processo de subserviência do país a interesses alheios bebe na fonte das contradições que se expuseram muito fortemente, por exemplo, no período da luta pela independência política. A emergência de uma sociedade republicana que, ao mesmo tempo, era elitista e de mentalidade escravocrata ajudaria a ilustrar a análise.

Esse Brasil dos contrastes ajudou, segundo ele, a delinear os rumos que o país tem tomado nos últimos anos, com medidas que aprofundam as políticas liberais e as desigualdades, favorecendo uma elite de caráter antinacional. A receita contribui para mover o país num sentido contrário ao da independência.   

“É uma sociedade que minimiza a escravidão, que minimiza a ditadura militar e seus crimes, uma elite com pouco espírito público. É uma questão muito séria. Essas contradições que levaram ao nascimento da nação brasileira se perpetuaram e  chegam até hoje”, complementa.

Edição: Nina Fideles