Coluna

O caipira e o agronegociante

Imagem de perfil do Colunistaesd

Ouça o áudio:

Nos últimos tempos, tenho me espantado com o pessoal do agronegócio. Não só não plantam comida consumida por nós, como têm raiva de quem produz - Foto: Diangela Menegazzi e Eduarda Renostro Zachi
“Mas se a gente não plantar essas coisas, o que é que o povo vai comer?"

Gosto muito de gente que produz alimentos, desde quem planta o que nós consumidos até a cozinheira do boteco, que fica feliz em fazer uma comida saborosa para os clientes.

Nos últimos tempos, tenho me espantado com o pessoal do agronegócio. Não só não plantam comida consumida por nós, como têm raiva de quem produz. Pra eles, não todos, claro, mas boa parte, só vale a pena produzir coisas que podem exportar e lucrar muito mais. 

Na minha terra, Nova Resende, no Sul de Minas, o café é o principal produto agrícola, há muito tempo. Tanto que no século 19 teve o nome de Santa Rita dos Cafezais. 

Ouça também: Bebê Diabo

O município fica inteiro acima de 1.100 metros de altitude, e o clima é ótimo para o café. Mas a cafeicultura convivia com a produção de gêneros alimentícios. Nos próprios cafezais, entre as ruas mais largas de pés de café, plantavam também milho, feijão e batata. 

Roceiro só comprava na cidade algumas coisas como sal, macarrão, essas coisas... 

De uns tempos para cá, a importância do café foi crescendo, e as outras culturas foram sendo desprezadas. Com café de boa qualidade, muito valorizado, a cafeicultura tomou conta do município. 

Felizmente, alguns conterrâneos ainda produzem outras coisas. Não vou lá há uns anos, mas sei que numa feira-livre que funciona na praça central vende-se de tudo. 

Volto um pouco no tempo, pra contar uma coisa.

Mais causos: Gal e os baianos...

O meu pai era barbeiro; e a barbearia funcionava como um centro social, ficava cheia de homens quase o tempo todo. Iam lá não só pra cortar o cabelo e fazer barba, mas para conversar, se atualizar, porque lá se conversava de tudo. 

Meu pai morreu em 1974, e pouco tempo antes eu estava lá, na barbearia, ouvindo as conversas de todo mundo; e chegou um velho roceiro, um caipira legítimo, do jeito que eu gosto. 

Na conversa, contou que em eu seu pequeno sítio, naquele ano, plantou um alqueire de feijão, um de arroz e um de milho. Um homem bem mais jovem, já com espírito dos agronegociantes de hoje, ficou bravo com ele. Até espantei. 

Ele disse ao velho caipira: “Você é burro mesmo! Pra que ficar plantando essas porcarias? Tem que plantar café, que dá lucro de verdade”.

Calmamente o velho respondeu: “Mas se a gente não plantar essas coisas, o que é que o povo vai comer?”.

Gostei da consciência e sabedoria dele. Um bom caipira tem disso...

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia e ouça outros causos. 

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Douglas Matos