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Vai ser pão-duro assim...

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É uma biblioteca com mais de 120 mil livros, em que ele promove eventos para formação de leitores em toda a região. Eu estive lá e comprovei - Unsplash
Todos os dias, quando saía para trabalhar, levava o fio do rádio, para que ninguém o usasse

O amigo Geraldo, mais conhecido como Alagoinhas, é personagem manjadíssimo em muitos lugares. Uma façanha dele é ter feito por conta própria a maior biblioteca em comunidade rural de todo o mundo, em São José do Paiaiá, povoado com 400 habitantes, no município baiano de Nova Soure, onde ele nasceu. 

É uma biblioteca com mais de 120 mil livros, em que ele promove eventos para formação de leitores em toda a região. Eu estive lá e comprovei.

O Alagoinhas estudou História na Universidade de São Paulo, e na época morava em uma república habitada por um pessoal meio folgado e frequentada por gente de todos os tipos.

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Apesar de ganhar pouco, como professor secundário, era quem arcava com quase todas as despesas na casa.

O que mais irritava o Alagoinhas era o Dino, que tinha condições de pagar sua parte mas não pagava. Era professor de cursinho, ganhava mais do que ele, mas era pão-duro demais. Tinha mania de inglês e o único dinheiro que gastava era com chá, que tomava todos os dias, às 5 horas da tarde, e um uísque nacional. 

Mesmo essas duas coisas, não punha na roda. Eram exclusivas dele, mantidas num armário trancado à chave, em seu quarto. Não permitia que ninguém usasse nada dele. O Alagoinhas era generoso demais e deixava por isso mesmo. 

::De pão-duro a... Tino comercial::

Um dia o Dino apareceu com um rádio grande, com ondas curtas, que pegava emissoras do mundo inteiro. Na época, por causa da ditadura que censurava as notícias aqui, a gente tinha o hábito de ouvir a BBC de Londres e outras emissoras internacionais que tinham noticiários em português em alguns horários. 

Mas nem isso o Dino compartilhava com os colegas. 

Todos os dias, quando saía para trabalhar, levava o fio do rádio, para que ninguém o usasse. Aí, enfim, o Alagoinhas perdeu a paciência. 

Disse a ele: “O rádio é seu, mas a luz sou eu que pago”. 

Proibiu o Dino de ouvir rádio ali. E em sua mesquinhez ele preferiu não ouvir mais o rádio a compartilhar com a turma.  

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir