Opinião

O neoliberalismo e os abismos

Não há mais, em nossos dias, nenhum setor da sociedade que não esteja em crise

Belo Horizonte |
A palavra crise, em grego, significa abismo. Quem não tem medo de abismos?
A palavra crise, em grego, significa abismo. Quem não tem medo de abismos? - Arquivo pessoal

Recentemente um grupo de pesquisadores do Fundo Monetário Internacional (FMI), composto pelos cientistas Jonathan Osttry, Prakash Lougani e David Furceri, fez racional e oportuna crítica ao neoliberalismo. Para esse grupo, a desregulamentação excessiva vem causando crises no sistema econômico mundial, permitindo a invasão dos mercados regionais por investidores externos. Nas grandes cidades, as grandes redes de supermercado, serviços bancários, telecomunicações e grandes empreendimentos industriais são regidos por investidores externos. As remessas de lucros ao exterior são sangrias que deixam as economias regionais anêmicas.

As privatizações acabaram por provocar uma desorganização no quadro de trabalho, com perdas na quantidade de empregos e queda no valor das remunerações. Pequenos investidores foram substituídos por poucos e grandes acionistas. Houve um aumento exorbitante da concentração de riquezas. A flexibilização das relações trabalhistas fez diminuir a renda das famílias e aumentar o tempo de trabalho. A migração de empresas para as regiões onde prevalecem relações mais favoráveis na produtividade, mão de obra e matéria prima de baixo custo; a desqualificação e eliminação de trabalhadores impostas pelo avanço das tecnologias da informação na indústria e serviços provocam aumento na taxa de desemprego e diminuição da circulação monetária.

No Brasil, a balança de exportação é desfavorável ao país. Importa-se produtos industrializados e se exporta commodity, com baixo valor agregado. A agricultura e a pecuária, cada vez mais mecanizadas, absorvem um mínimo de mão de obra. Além disso, nos últimos 30 anos, os investimentos estrangeiros aumentaram consideravelmente nesse setor. Na mineração, depois da privatização da Vale do Rio Doce, o investimento estrangeiro em seu capital foi enorme. A mineração de ouro está em poder da Anglo Gold Ashanti. A extração e exportação de minérios de ferro são controladas por grandes companhias estrangeiras. Nunca houve tanta automação na extração, beneficiamento e transporte do minério de ferro. Tudo isso concorre para uma desvantagem financeira para os países da América Latina. O que se vê é uma exploração colonial só comparada ao tempo do mercantilismo nos séculos XVII e XVIII.

No México o neoliberalismo indicou ao governo a fórmula da tecnologia do ensino à distância para reduzir os custos. Com a chegada ao poder do Partido Ação Nacional (PAN), da direita liberal, o número de tele-escola explodiu. Em 2012, chegou a 20% dos alunos no setor público, cerca de um milhão e trezentas mil crianças estudando diante da televisão. As tele-escolas registram os piores resultados no sistema de avaliação escolar do país. Essa política educacional representa um desastre na atualidade com reflexos no futuro.

Privatizar a universidade, seguindo a ideologia neoliberal, significa que a pesquisa não será mais uma prioridade. A universidade será como as instituições isoladas fundacionais que apenas mercadejam o ensino: a universidade privatizada não será uma escola formadora de agentes críticos ou indivíduos capazes de ampliar horizontes da sociedade em que atua. Será uma escola que apenas habilitará indivíduos para concorrer com seus pares; talvez mendigar um trabalho que lhe garanta a sobrevivência, mas não uma existência digna. Formará um profissional engajado na ideologia dominante que consiste em aceitar pacificamente tudo como está: tudo é natural; pouco importa se estão ruindo todas as instituições como a família, a escola, a universidade, a justiça, o Estado, os serviços públicos, a democracia. Tendo no bolso alguns trocados adquiridos mesmo que de forma ilícita e tendo na mão um diploma de bacharel em qualquer coisa, o mundo está salvo, pois não sabe, ou não quer saber que seu país ou que o mundo está em crise.

Os trabalhadores desempregados da chamada economia formal migram-se para a economia informal, passando a atuar como vendedor ambulante, produtor artesanal e até coletor de frutos silvestres. Com a chegada desses novos competidores a economia informal entrou em severa crise na luta por espaços e no incômodo do excesso de concorrentes. Não há mais, em nossos dias, nenhum setor da sociedade que não esteja em crise. A palavra crise, em grego, significa abismo. Quem não tem medo de abismos?

 

*Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS

Edição: ---