A campanha #MeuProfessorRacista tomou conta das redes sociais nesta terça-feira (04). Idealizada pela Ocupação Preta - coletivo de negros e negras da USP - a iniciativa convida as pessoas a compartilharem episódios de violência racial vivenciadas em instituições de ensino.
A mobilização foi idealizada como resposta a um episódio de racismo vivido na Universidade de São Paulo (USP).
No dia 20 de março, na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da USP, durante uma aula, a docente, cujo nome não é mencionado pelos idealizadores da campanha, abordou o racismo presente em marchinhas de carnaval e nas obras de Monteiro Lobato em tom de chacota.
Uma estudante questionou a postura da educadora, que respondeu abafando a discussão aos gritos. No dia 3 de abril, militantes do coletivo Ocupação Preta entraram na sala de aula trazendo passagens de Lobato e discorrendo sobre a necessidade de oferecer uma análise crítica do discurso racista e eugênico do autor, especialmente em um espaço acadêmico. A professora exigiu que os estudantes fossem retirados da sala de aula pela segurança do campus.
Leia alguns relatos:
Confira a íntegra do manifesto:
Carta Aberta da Ocupação Preta
No dia 20 de março, durante uma discussão na aula de Teorias do Texto na FFLCH - USP, a temática voltou-se para o debate racial no momento em que os assuntos “marchinhas racistas” e “o racismo de Monteiro Lobato” ganharam um tom de chacota dado pela então professora que ministrava a aula, o que acarretou em uma discussão levada por uma aluna no dia 27 de março e que foi abafada aos gritos pela docente.
Hoje, 3 de abril, a Ocupação Preta entrou em sala de aula para suscitar uma retomada histórica contida no debate racial que permeia as obras escritas por Monteiro Lobato, apresentando suas posturas muito bem documentadas e acessíveis até mesmo na internet.
A Professora em questão trouxe trechos de um livro que reforçava a teoria de que Monteiro não foi racista, o que intensifica dogmas da cultura racista ainda existentes no Brasil e no mundo. Entendemos nitidamente que o papel acadêmico do pesquisador é o de conhecer os diferentes pontos de vista de quaisquer discussões.
Questionamos a professora sobre o fato de vir a sala de aula sem preparar previamente, no mínimo, uma análise do autor e sua postura em relação as suas obras, bem como seu contexto e sua participação na sociedade brasileira. Aprofundamos a discussão perguntando à professora o quão grave seria se trouxéssemos qualquer material que fizesse relação entre alguma minoria a ratos, por exemplo - considerando o uso de ideais pejorativos - sem sequer utilizar um contraponto discursivo. Levantamos o debate sobre o Negro no Brasil atual, porque sabemos que a população ainda é estereotipada e marginalizada nos dias de hoje.
Estamos falando do quão grave é apresentar e analisar como exemplo a construção da imagem de “Tia Anastácia” ignorando as discussões já existentes sobre como a personagem e sua caracterização de “a serva boa e fiel” têm como função narrativa e ideológica a suavização das relações de poder interraciais e o reforço da servidão como espaço reservado ao negro, se encaixando como um grande exemplo do estereótipo das Mammies norte-americanas e das Mães-pretas brasileiras.
A problemática sobre a obra de Monteiro Lobato está longe de ser um assunto de debate apenas entre movimentos negros brasileiros. Já é um consenso entre estudiosos de áreas diversas das ciências humanas que Monteiro Lobato e sua literatura tiveram um papel importante na disseminação das ideologias eugênicas e no avanço de um cientificismo racista que influenciou políticas sanitaristas do Estado durante o início do século XX, infelizmente com desdobramentos que seguem atuais. Ainda que o desenvolvimento da obra de Lobato possa incluir a presença do negro como protagonista, o faz de uma maneira totalmente equivocada e racista, que há tempos é questionada não só por militantes mas também por uma intelectualidade interessada no debate sobre as ideologias que dominaram o Brasil em épocas passadas.
Ainda assim, sabendo que se perpetua nas universidades uma diretriz e um embasamento teórico pertencente à branquitude, levantamos a necessidade de que a professora conheça, discuta ou ao menos escute o que os alunos têm a dizer, abandonando seu posto de superioridade.
É importante que a população em geral, e especialmente a negra, tenha conhecimento de uma série de leis que servem para responsabilizar diversos tipos de discriminação de quaisquer naturezas.
Por fim, repudiamos a postura da professora que exigiu que fôssemos retirados pela segurança do Campus, e que ousou dizer que conhece um professor universitário que, conforme sua fala, “é mais negro que todos nós” alunas e alunos que estávamos presente na aula. Esse tipo de postura mostra o quanto temos professores que necessitam urgentemente de formação acadêmica em conformidade com a Lei 10.639/03 sobre o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, já que são responsáveis pela formação acadêmica de futuros professores.
CONVIDAMOS TODOS AS ALUNAS E ALUNOS NEGROS DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO DO BRASIL A PARTICIPAREM DA CAMPANHA VIRTUAL #MeuProfessorRacista
“Seu silêncio não vai te proteger!”
Edição: Vanessa Martina Silva