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Câmara dos Deputados pode votar projeto que amplia porte de armas esta semana

Texto do relator Alexandre Leite contempla interesses de caçadores, atiradores e colecionadores de armas

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Para analista do Instituto Sou da Paz, Bolsonaro tem "uma verdadeira obsessão, um fetiche, por arma de fogo"
Para analista do Instituto Sou da Paz, Bolsonaro tem "uma verdadeira obsessão, um fetiche, por arma de fogo" - -

O plenário da Câmara dos Deputados pode votar, a partir desta terça-feira (8), o Projeto de Lei 3723/19, que flexibiliza a permissão de porte de armas de fogo. O texto também diminui de 25 para 21 anos a permissão do porte. O relator da proposta é o deputado federal Alexandre Leite (DEM-SP). As avaliações são de que, se os governistas acharem que têm voto suficiente, vão colocar para deliberação dos deputados.

Felippe Angeli, assessor de advocacy do Instituto Sou da Paz, considera grave o fato de o projeto flexibilizar em muito a possibilidade de porte de armas de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). Trata-se de um grupo formado  por mais de 170 mil pessoas hoje no país.

Entre 2014 e 2018 o número de armas em poder dos chamados CACs cresceu 54%, aumentando de 227 mil para 350 mil. Só de janeiro a junho de 2019, foram 50,9 mil concessões. Durante todo o ano de 2018, 87,9 mil.

O texto que será apresentado pelo relator deve ser conhecido em reunião no colégio de líderes. “O PL é muito negativo. Somos contrários a qualquer tipo de política que permita a flexibilização. Tema polêmico que divide a população Infelizmente, no ressurgimento de um conservadorismo no Brasil, esse debate veio associado à ideia de que, se você é conservador ou mais de direita, é a favor de armas de fogo, o que é uma sandice”, diz Angeli.

“Não tem a menor ligação entre uma coisa e outra. Não se trata de uma coisa de direita ou esquerda, mas de proteção à vida. Não se trata de gostar ou não de arma de fogo, mas de que existe consenso científico e pesquisas que demonstram a relação entre aumento da circulação de arma de fogo e aumento da violência letal. Arma geralmente gera morte. É simples assim.”

Segundo ele, o projeto tem vários problemas relativos à questão ambiental e é ambíguo sobre autorizações à caça. Uma série de competências ficam em contradição às políticas e legislação ambiental, principalmente relacionada ao Ibama.

Não se pode fazer uma previsão segura sobre as chances do projeto ser aprovado, já que, como nota Angeli, ele é muito amplo e envolve várias questões técnicas.

Ele destaca um aspecto também muito preocupante do texto, que autoriza a recarga de munições para caçadores, atiradores e colecionadores, que poderão recarregar projéteis usados em sua própria casa, o que é extremamente arriscado. “Permite a manipulação de pólvora e outros materiais na sua própria residência. Além disso, acaba com a possibilidade de rastreamento, porque você inutiliza a marcação do número de série e do lote daquela munição.”

O perigo foi ilustrado por um acidente ocorrido em abril em Limeira (interior de São Paulo). O engenheiro Rafael Henrique de Nadai, de 33 anos, diretor do Clube de Tiro de Limeira, fazia recarga de munições em casa. Houve uma explosão que destruiu boa parte da casa e matou o homem. Acidentes com armas de fogo provocam a internação de uma criança a cada três dias no Brasil.

 

Retrocesso

O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) avalia que o projeto representa um retrocesso ao legalizar clubes de caça e dificultar o controle por parte dos órgãos ambientais. “Vai na lógica de se liberar cada vez mais o uso do porte de armas, com prejuízo à fiscalização e controle, numa conjuntura de acirramento de conflitos no campo, principalmente.”

“O relatório dava a entender que o Exército fiscalizaria que tipo de caça ou espécie poderia ser abatida, retirando a competência do Ibama”, explica o deputado. O relator se comprometeu a corrigir o problema.

Para Angeli, o próprio presidente Jair Bolsonaro “tem uma verdadeira obsessão, um fetiche, por arma de fogo”. “Editou quase um decreto por mês. Infelizmente, e independentemente se a pessoa é de direita e esquerda, se mora em área rural ou urbana, há hoje no Brasil o problema gravíssimo de segurança pública. Nessa conjuntura, muitas vezes, uma solução fácil como comprar uma arma, para uma população insegura, pode parecer sensata.”

No entanto, destaca o assessor do Sou da Paz, o Brasil tem problemas demais para o governo priorizar tal projeto, como o desemprego, as enchentes, a crise econômica, a dengue, minas que desmoronam sobre cidades inteiras em Minas Gerais. “E o governo só trata de arma de fogo. Quando vier o verão, nós vamos atirar no aedes aegypti?”, ironiza. “É como se o grande problema do Brasil fosse o acesso a arma de fogo, quando é o contrário.”

Edição: Rede Brasil Atual