Crise na Educação

Pressionado, MEC inicia repasses para bolsistas, mas sem evitar penúria no ensino superior

Valor liberado será usado para cobrir apenas parte das dívidas de dezembro; Para entidades "cobertor segue curto"

Brasília (DF) |
Victor Godoy, Ministro da Educação, anuncia desbloqueio parcial da pasta, que mantém rombo de R$ 900 milhões - Evaristo Sá/AFP

Após constatar que o bloqueio R$ 1,36 bilhão feito pelo governo Bolsonaro teria consequências desastrosas ainda este ano, o Ministério da Educação (MEC) sinalizou com um pequeno alívio. Nesta quinta-feira (8), o ministro da pasta, Victor Godoy, anunciou a liberação de R$ 460 milhões - apenas um terço do montante que seria necessário para fechar as contas de dezembro.

Parte dessa verba servirá para cobrir o pagamento integral de bolsas e auxílios do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), que envolve moradia, transporte e alimentação dos alunos mais vulneráveis de universidades federais. Outra parte, no valor de R$ 50 milhões, já foi repassada para saldar pagamentos das bolsas de educação básica na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Outros R$ 150 milhões, aproximadamente, são aguardados até a próxima terça-feira (13) para honrar as bolsas referentes a dezembro de milhares alunos de pós-graduação - mestrado, doutorado e pós-dourado. Estima-se que outros R$ 40 milhões devem ser repassados para assistência estudantil na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

Apesar de certo alívio, a medida ainda deve manter o estado de penúria das universidades e institutos federais, voltados ao ensino profissionalizante. Claudio Alex da Rocha, presidente da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) reclama que ainda faltaria mais de R$ 110 milhões para o pagamento de contas de energia, água, internet e telefone em dezembro, além de repasses à empresas prestadoras de serviços terceirizados.

“Por contrato, sabemos que a maioria das empresas precisa arcar com os custos desses profissionais, mas a médio prazo isso pode representar demissões e atraso de pagamentos. São pessoas que estão conosco no dia a dia e não podem sofrer com a inépcia do governo em arcar com suas despesas”, aponta Rocha sobre os cerca de 14 mil profissionais sob contratos desse tipo na rede federal.

Mesma situação pela qual passam as universidades federais espalhadas pelo país. Na segunda-feira (5), a Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira a manifestar a impossibilidade de arcar com suas despesas básicas para fechar as contas do ano. Com o caixa “zerado”, a reitoria respondeu ao Brasil de Fato que no último biênio precisou buscar recursos para assistência estudantil no Congresso Nacional por meio de emendas parlamentares. 

“As instituições sobrevivem porque há um aporte de emenda parlamentar que deveria ser uma coisa a mais, mas está servindo para manter as portas abertas. Em 2022, a gente também não teve aumento, continuamos com o orçamento de 2021 que eu chamo de ‘orçamento de terra arrasada’”, disse.

Ao longo da semana passada, a Universidade Federal do Rio de Janeiro relatou que, além de não conseguir honrar contratos com empresas terceirizadas, também teve o impacto de servidores “extraquadros” em seu Complexo Hospitalar e da Saúde. Na Universidade Federal de Sergipe, acendeu o alarme sobre o funcionamento do Restaurante Universitário, que diariamente fornece alimentação para 7 mil estudantes.

Ensino Superior federal vive rotina de arrochos e ginásticas financeiras

Assim como na UnB, as emendas parlamentares se tornaram boias de salvação para o Ensino Superior federal. Luciana Massukado, reitora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB) e diretora do Conif, relata que o expediente ajudou diversas instituições. “Mas o que deveria ser um rendimento extra para projetos especiais se transformou em prática cotidiana. Aí não pode”, protesta.

A reitora conta que as dificuldades financeiras se acumulam desde 2015 e que se agravaram drasticamente com a redução de 20% do orçamento repassado pelo MEC em 2020, e que se manteve em 2021. Em junho, o corte anunciado de R$ 184 milhões obrigou as instituições a replanejar as contas e promover cortes. 

“Só o IFB perdeu R$ 2,9 milhões, que é o orçamento de um campus inteiro anual. A rede inteira teve que remanejar isso para finalizar em dezembro. E aí a gente chega no final de novembro e é impactado pelo anúncio de um novo bloqueio. Ficamos todos consternados”, relata.

Luciana relembra a sequência de informes que obrigou as universidades e institutos federais a correrem contra o tempo para tentar salvar parte das contas de dezembro. Isso porque R$ 366 milhões haviam sido liberados na manhã do dia 1º e depois foram bloqueados novamente no fim do mesmo dia.

“A gente disse ‘empenha tudo porque a gente não sabe o que vai acontecer’. Mas no momento em que a gente estava fazendo o empenho começou a circular a informação de que os fundos já estavam novamente bloqueados. Uma sequência que nos deixou estarrecidos e nós não temos mais dinheiro para pagar nada”, relata.

Embora parte do problema comece a ser equacionado com os aportes anunciados pelo MEC, a reitoria da UnB espera que as demandas orçamentárias das instituições federais sejam incorporadas em definitivo. 

“A solução é respeitar a autonomia de gestão administrativa prevista no Artigo nº 207 da Constituição e aprovar uma lei que garanta o financiamento permanente das universidades e institutos federais, em percentual da arrecadação federal, como ocorre com as universidades do estado de São Paulo: USP, UNICAMP e UNESP”, exemplifica a universidade, comandada pela reitora Márcia Abrahão Moura.

Protestos e pedidos de socorro fizeram governo recuar

Junto de dezenas dos institutos federais, pelo menos 30 das 69 universidades federais do país haviam divulgado a situação dramática de suas contas e a impossibilidade de “jogar para 2023”. De acordo com Luciana, seria arriscado para qualquer gestor fazer manobras que pudessem comprometê-los, criminalmente inclusive, mais adiante.

“Como a gente vai reverberar em termos de pagamento? Por exemplo, colocar como ‘restos a pagar’ para o orçamento do ano que vem? Mas quem vai ser responsável, quem vai responder por isso? Isso é algo que ainda está num limbo que nunca aconteceu antes”, aponta.

Luiz Cláudio Costa, responsável pelo Ensino Superior no grupo de trabalho de Educação do Governo de transição, também havia declarado na terça-feira (6) que o problema não poderia ser deixado para o ano seguinte. “Quando vira restos a pagar o que acontece: primeiro vai ter um prejuízo grande de estudantes bolsistas, restaurantes universitários e outras contas a pagar. Se isso for para o ano que vem, o que seria terrível, catastrófico, isso significa que o orçamento do ano que vem estará afetado por isso”, disse.

Assim como o Conif, a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) também encabeçou os protestos contra os cortes na Educação. Ambas apontaram que os maiores prejudicados seriam os estudantes de baixa renda e as famílias dos trabalhadores terceirizados, cuja renda mensal varia de um a cinco salários mínimos.

O grupo de transição, coordenado pelo ex-senador Aloizio Mercadante (PT), também externou a urgência do problema, que para o dirigente fazia parte de uma “bomba relógio” que estava explodindo no colo do atual governo - uma alusão ao desastrado atentado do Riocentro, em 1981. 

A situação se mantém dramática mesmo com o aporte anunciado pelo MEC e com o roteiro de aprovação da chamada PEC da Transição. Aprovada no Senado, a medida ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados para ampliar o teto de gastos em R$ 145 bilhões. Segundo Mercadante, o montante prioriza o pagamento de benefícios sociais e não resolveria os gargalos na Educação.

“A PEC não resolve empenhar livro didático, não paga os médicos residentes, não paga os estudantes bolsistas. Isso aqui é pendência nesse final de ano em dezembro. Depois você ainda tem que rodar a folha de janeiro. Se é pra resolver a PEC é de janeiro para frente, quando o país vai ter governo”, apontou, durante coletiva de imprensa no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, no dia 5.

Na quinta-feira (8), estudantes de diversas universidades e institutos federais protestaram contra os bloqueios de verba. Em Brasília, os manifestantes foram à porta do Ministério da Educação com cartazes que acusavam o governo Bolsonaro de promover “um projeto de desmonte” na Educação e mencionaram os prejuízos contínuos ao ensino e à pesquisa nos últimos anos.

A situação também deve render novos capítulos esta semana. Isso porque o ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal) cobrou, no dia 7, explicações do governo para o bloqueio no MEC para gastos não obrigatórios. A medida responde a uma ação protocolada pela UNE (União Nacional dos Estudantes), pela ANPG (Associação Nacional dos Pós-Graduandos) e pela Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas).
 

Edição: Rodrigo Durão Coelho