MASSACRE EM GAZA

Biden diz que Israel está perdendo apoio devido a ataques 'indiscriminados' contra civis; mortes já passam de 18 mil

Na ONU, autoridade chama situação de “catástrofe humanitária”; Israel continua matando e atrapalhando atendimento médico

Brasil de Fato | Botucatu (SP) |
Palestinos empunham documentos de identidade para obter farinha em Rafah: fome é uma realidade na Faixa de Gaza - Mohammed Abed / AFP

No dia em que Israel lançou ataques aéreos por toda a Faixa de Gaza e matou pelo menos mais 23 pessoas em Rafah, incluindo sete crianças e seis mulheres, e que a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) se reuniu para tentar aprovar uma resolução a favor de um cessar-fogo para o conflito que já deixou mais de 18 mil vítimas fatais e cerca de 50 mil feridos, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que Israel está perdendo o apoio internacional devido aos bombardeios "indiscriminados" de civis na guerra que, declaradamente, é contra os militantes do Hamas.

Durante um evento com doadores democratas em Washington nesta terça-feira (12), Biden afirmou que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, precisa moderar seu governo linha-dura para encontrar uma solução de longo prazo para o conflito. "Este é o governo mais conservador na história de Israel", disse o presidente, acrescentando que o governo israelense "não quer uma solução de dois Estados".

Os comentários foram feitos em conversas informais e não gravadas. Biden, que desde o início da ofensiva contra Gaza tem apoiado Israel no que considera seu direito de se defender, mudou o tom à medida em que o massacre contra o povo palestino se intensificou. "Continuaremos a fornecer assistência militar a Israel até que eles se livrem do Hamas, mas precisamos ter cuidado. Eles precisam ter cuidado. A opinião pública mundial pode mudar da noite para o dia, não podemos permitir que isso aconteça."

Os Estados Unidos também estão pressionando Israel a abrir a fronteira de Kerem Shalom (sul de Gaza) para permitir a entrada de caminhões de ajuda humanitária em situações de emergência. O governo israelense continua exigindo que os veículos passem primeiro pelo Egito para depois entrar em Gaza, por Rafah, onde já existe um gargalo que atrasa o processo humanitário. Desde o ataque surpresa do Hamas em 7 de outubro, Israel cortou todo o tráfego comercial e de ajuda humanitária para Gaza.

A administração Biden está sob crescente pressão, por parte da opinião pública e dentro do Partido Democrata. Uma pesquisa recente da CBS News mostra que apenas 20% dos estadunidenses acham que a postura de favorece uma solução pacífica do conflito, enquanto 38% dos democratas acham que o presidente apoia Israel exageradamente, ante 28% no mês passado. Haverá eleição presidencial em 2024.

Adicionalmente à manifestação de Biden, governos de outros países tradicionalmente aliados aos EUA, Austrália, Canadá e Nova Zelândia, afirmaram apoiar esforços internacionais para um cessar-fogo sustentável e se declararam alarmados com a situação dos civis em Gaza.

Na reunião da ONU, o presidente da Assembleia-Geral, Dennis Francis, chamou a violência em Gaza de “catástrofe humanitária”. “Os civis nunca deveriam passar pelo nível de sofrimento que estamos testemunhando”, afirmou. Até o fechamento dessa matéria, a Assembleia ainda não havia deliberado sobre a recomendação de cessar-fogo imediato. Tentativa semelhante foi abortada recentemente no Conselho de Segurança da ONU, por causa de um veto dos EUA.

Palestinos feridos morrem por falta de tratamento

O Ministério da Saúde local atualizou o número de mortos em Gaza para 18.412, com estimativas de que 50.000 palestinos tenham ficado feridos desde o início da ofensiva de Israel. Dentre os feridos, um problema adicional são os obstáculos para o atendimento médico. Não bastassem as condições precárias nos hospitais locais, já fartamente noticiadas, organizações da ONU e grupos de ajuda humanitária afirmam que os palestinos feridos estão enfrentando atrasos potencialmente fatais na evacuação para o exterior, causados pela burocracia israelense e pelos postos de controle militares.

Segundo relato da Organização Mundial da Saúde (OMS), as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) provocam atrasos prolongados nos postos de controle, impedindo a passagem de feridos. Tedros Adhanom, chefe da OMS, afirmou que a entidade está "profundamente preocupada com verificações prolongadas e detenção de trabalhadores de saúde que colocam em risco as vidas de pacientes já frágeis". Por conta disso, um paciente morreu em um comboio de emergência a caminho de um hospital na Cidade de Gaza, durante uma verificação repetida e demorada na qual um trabalhador da saúde foi detido e agredido.

A ONG israelense Médicos pelos Direitos Humanos Israel afirma que, até o momento, apenas 400 palestinos foram evacuados para o exterior, apesar de vários países estarem dispostos a receber os feridos.

Fome e mortes no sul de Gaza

Em Khan Younis, principal cidade do sul de Gaza, moradores afirmaram na terça-feira que os bombardeios de tanques israelenses estão agora concentrados no centro da cidade, operando inclusive na rua onde está localizada a casa de Yehiya Sinwar, líder do Hamas em Gaza.


Faixa de Gaza / Brasil de Fato

Um palestino idoso, Tawfik Abu Breika, disse que seu bloco residencial em Khan Younis foi atingido sem aviso prévio por um ataque aéreo israelense na terça-feira, que derrubou vários prédios e deixou vítimas. "A consciência do mundo está morta, sem humanidade ou qualquer tipo de moral", disse Breika à Reuters enquanto os vizinhos reviravam os destroços. "Este é o terceiro mês em que enfrentamos morte e destruição... Isso é limpeza étnica, destruição completa da Faixa de Gaza para deslocar toda a população."

Mais ao sul, em Rafah, na fronteira com o Egito, socorristas passaram o dia procurando por mais vítimas nos escombros do ataque que deixou pelo menos 23 mortos. Os moradores disseram que os bombardeios na cidade, onde o exército israelense ordenou às pessoas que buscassem abrigo, foram intensos. "À noite, não conseguimos dormir por causa dos bombardeios, e de manhã percorremos as ruas procurando comida para as crianças. Não há comida", disse Abu Khalil, 40 anos, pai de seis filhos.

Os habitantes de Gaza estão lutando contra a fome e a sede para sobreviver, disse o morador Mohammed Obaid enquanto inspecionava os destroços em Rafah. "Não há eletricidade, combustível, água, remédios."

Segundo a União de Comitês de Trabalhadores Agrícolas da Palestina (UAWC), o uso da privação de alimentos como uma arma de guerra está deixando os palestinos à beira da fome.

Economia paralisada

A economia de Gaza praticamente parou, deixando cerca de 85% dos trabalhadores sem emprego, informou o Banco Mundial, que afirmou que Gaza está operando apenas com 16% de sua capacidade produtiva e está em "profunda recessão".

Em uma avaliação do impacto econômico do conflito, na qual anunciou o repasse de US$ 20 milhões (cerca de R$ 100 milhões) em ajuda financeira para alimentos e suprimentos médicos, o banco afirmou: "A perda de vidas, a velocidade e a extensão dos danos aos ativos fixos e a redução nos fluxos de renda em todo o território palestino são incomparáveis".

O relatório também destaca o aumento da pressão inflacionária e escassez de bens básicos. Os preços em Gaza aumentaram 12% em outubro, refletindo a demanda reprimida por produtos cada vez mais difíceis de encontrar localmente. Os preços dos alimentos aumentaram em média 10% ao mês, enquanto a água mineral subiu 75% e a gasolina, quase 120%.

Água do mar nos túneis

O exército israelense começou a bombear água do mar para dentro do sistema de túneis de Gaza, uma atitude que poderia prejudicar o fornecimento de água doce no território, segundo analistas. A informação é do Wall Street Journal, que cita o exército israelense para dizer que o Hamas esconde combatentes, reféns e armas nesses túneis. O processo de destruição dos túneis por meio do bombeamento de água pode levar semanas.

 


 

Edição: Rodrigo Durão Coelho