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Empregada doméstica na Disney: afinal dólar alto é bom ou ruim para a economia?

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Não adianta ter uma taxa de juros mais baixas se toda a "economia" com um menor pagamento de juros de dívida pública brasileira continuar indo para o sistema financeiro - Marcello Casal Jr, / Abr
Taxa de câmbio deve ser uma determinação política, que se ligue a nossas necessidades

Recentemente o ministro da Economia Paulo Guedes proferiu mais uma das suas insensatas declarações. Em primeiro lugar ele assume um tom preconceituoso ao fazer referência às trabalhadoras domésticas, como as que não teriam “direito’ à viagens no exterior.

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O que fica claro quando ele se refere a que “até elas” estavam viajando para fora, em um período de dólar desvalorizado com relação ao real, fazendo alusão a que esse lugar de viagens à Disney é de exclusividade de determinados setores sociais, dos quais elas não fazem parte.

Frases como essa exemplificam uma visão conservadora e servilista da sociedade brasileira, como uma herança escravocrata que foi radicalizada com a tardia regulamentação do trabalho doméstico.

Em segundo lugar, o ministro parece desconhecer a realidade da sociedade, uma vez que ele afirma que as trabalhadoras domésticas não viajaram uma, mas duas ou três vezes para a Disney.

Talvez Paulo Guedes não saiba que o rendimento médio das trabalhadoras domésticas em 2014 - por exemplo – era de menos de um salário mínimo mês, o que as impossibilitaria de viajar ao exterior mesmo se tivéssemos paridade cambial com o dólar.

Bom ou ruim para a economia brasileira?

A fala de Paulo Guedes, na retomada dos trabalhados do Congresso Nacional, recoloca um importante debate para a sociedade. Afinal, o dólar alto ou baixo, com relação ao real, é bom ou ruim para a economia brasileira? Incrivelmente o ministro não está de todo errado, embora a taxa de câmbio não seja o único fator que determina a performance de uma economia.

Na época do Plano Real, o ministro da Economia Fernando Henrique Cardoso apostou em um instrumento chamado “âncora cambial”, na qual ele garantia que, por um período, a taxa de câmbio brasileira seria de “1 para 1” ou seja, um dólar valia um real.

Nesse período, parte da classe média brasileira pode realizar seus sonhos cosmopolitas, como ir a Miami e comprar produtos importados. Isso foi bom para o poder de compra da classe média, mas péssimo para o desenvolvimento econômico do país, porque inviabilizou o principal setor portador de fortes efeitos multiplicadores na economia brasileira, que é a indústria.

Valorização do real

Ao valorizar o real – além de comprometer as reservas cambais e ao exigir taxas de juros altas para cobrir os déficits em transações correntes – os produtos importados se tornaram mais baratos, estimulando a compra de mercadorias fora do país, o que fez diversas indústrias e empresas quebrarem nesse período.

No entanto, o dólar alto demais como está agora, também causa problemas econômicos, já que perdemos muitos elos da cadeia produtiva nacional após anos de desindustrialização, o que faz com que qualquer mercadoria brasileira – para ser construída – precisa de peças importadas.

Se o dólar está alto demais, o custo de importação desses componentes será repassado para o preço final, fazendo com que as mercadorias aqui fiquem mais caras. Ou seja, a taxa de câmbio deve ser uma determinação política, que se ligue a nossas necessidades de sermos um país industrial e com competitividade internacional.

Juros baixos

Ocorre, por fim, que o cenário macroeconômico atual, com dólar mais apreciado e juros mais baixos não funcionam como “toque de mágica”. Ainda que mesmo a literatura econômica heterodoxa pregue esse binômio, ele – sozinho – não é capaz de resolver os graves problemas atuais.

Não adianta ter uma taxa de juros mais baixas se toda a "economia" com um menor pagamento de juros de dívida pública brasileira continuar indo para o sistema financeiro.

A PEC do teto dos gastos limitou o gasto primário do governo (saúde, educação etc...) à variação da inflação do ano anterior, mas - curiosamente - disse que o gasto financeiro pode crescer sem constrangimentos. Ou seja, a "economia" que estamos fazendo com pagamentos de juros mais baixas está indo para enriquecer o próprio sistema financeiro, não resultando em nenhuma melhoria para a sociedade brasileira.

Por outro lado, também não adianta uma taxa de juros baixas se o crédito ao consumidor final – o chamado Spread bancário – continua tão alto quanto antes. Isso só serve para enriquecer os bolsos dos capitalistas do sistema financeiro.

Política industrial

Além disso, não adianta um dólar mais alto – teoricamente favorável à industria – se o governo Bolsonaro não deu prosseguimento a nenhuma política industrial. Assistimos, recentemente, a uma queda de 1,1% na indústria brasileira, sem contar que já estávamos em uma base industrial extremamente frágil, o que faz esse índice ser ainda mais significativo e atestar um processo de reprimarização da nossa economia.

Nem adianta um dólar competitivo se estamos destruindo um dos principais sustentáculos da indústria nacional que é o crédito barato, via BNDES.

Em síntese, para ser uma fórmula de condução do desenvolvimento econômico, a relação juros baixos e câmbio apreciado só funciona dentro de uma política de desenvolvimento nacional, que estimule a demanda agregada, a transferência de renda, o mercado interno e com mecanismos de desenvolvimento da indústria brasileira.

 


 


 

Edição: Leandro Melito