Economia

Impeachment significa volta ao neoliberalismo, afirma economista

Marcio Pochmann vê semelhanças entre as propostas apresentas pelo PMDB e a política neoliberal dos anos 1990

São Paulo |
Marcio Pochmann
Marcio Pochmann - Heinrich Aikawa/ Instituto Lula

O ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) [2007-2012] Marcio Pochmann classifica o processo de impeachment como um golpe contra a democracia. Além disso, ele avalia que o programa apresentado pelo PMDB como alternativa à crise, detalhado no documento “Uma ponte para o futuro”, demonstra que a retirada da presidenta Dilma Rousseff transportaria a economia de volta à década de 1990.

Pochmann, autor de mais de 40 livros, é atualmente presidente da Fundação Perseu Abramo e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Ele caracteriza a atual postura do PMDB como uma negação ao histórico programa “Esperança e Mudança”, lançado por intelectuais peemedebistas no início da década de 1980. A proposta “orientava o partido no rumo de um projeto de reformas do capitalismo brasileiro e tinha um compromisso com o crescimento e com o desenvolvimento”.

Apesar das críticas à oposição, discorda da atual orientação econômica do Governo. Para o economista, a adotar as propostas da oposição, levou-se o país "a uma recessão, a um agravamento das finanças públicas e a um descrédito nas expectativas dos empresários”.

Confira a entrevista:

Brasil de Fato: Em entrevista ao Estadão, em outubro do ano passado, você indagou: “As pessoas vão defender Dilma em nome de quê?” Passados alguns meses, com a iminência da votação do impeachment, “em nome de quê” as pessoas vão defender a permanência da presidenta no cargo?

Marcio Pochmann: Por um elemento de continuidade do regime democrático, sem a ruptura que significaria justamente um golpe. E, ao mesmo tempo, pela perspectiva de continuidade de um projeto que se iniciou em 2003. O que se sabe é que a continuidade do mandato da presidenta Dilma exigiria não apenas reafirmar seu compromisso com a democracia, mas também mudar os rumos da política econômica. A substituição da presidenta Dilma significa, na verdade, a recondução da política econômica aos anos 1990, do neoliberalismo.

Qual a sua avaliação do documento “Uma ponte para o futuro”, elaborado pelo PMDB como uma alternativa à atual crise?

Um documento que praticamente nega a fundação do PMDB, no início dos anos 1980. Naquele momento, os responsáveis pelo PMDB lançaram um documento chamado “Esperança e Mudança”, que orientava o partido no rumo de um projeto de reformas do capitalismo brasileiro e que tinha um compromisso com o crescimento e desenvolvimento.

Essa atual proposição apresentada é basicamente a explicitação de uma visão neoliberal, sem compromisso com o desenvolvimento, muito menos com a perspectiva de construção de uma sociedade que aponte para o bem-estar social. Nesse documento, fica claro a ideia de que o povo não cabe mais no orçamento brasileiro. A implantação do que está nesse documento significaria cortar direitos e esvaziar a construção de uma noção de cidadania.

Você e vários outros economistas de esquerda foram contra o ajuste fiscal promovido pelo Governo a partir do início de 2015. Quais são as alternativas?

Houve uma escolha de tentar resolver uma crise política por meio de uma mudança nos rumos da economia. Parte do diagnóstico que foi feito pela oposição, durante a eleição, acabou sendo incorporado na própria política econômica. Essa escolha levou o país a uma recessão, a um agravamento das finanças públicas e a um descrédito nas expectativas dos empresários. Essa foi a tentativa de solucionar a crise econômica sem oferecer soluções políticas. Não é por acaso que temos praticamente um terceiro turno nesse momento em que o processo de impeachment está na iminência de votação na Câmara.

Qual a influência da crise econômica mundial na situação vivenciada internamente no Brasil?

A crise econômica mundial se iniciou em 2008 e até agora não encontrou solução. O Brasil foi o país que buscou soluções satisfatórias, com investimentos em infraestrutura e em distribuição de renda. Ao contrário do resto do mundo, o país criou empregos e reduziu a pobreza. Por isso, a crítica à austeridade fiscal, implantada em 2014, permanece atualmente.

O [atual] ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, enviou ao Congresso Nacional uma proposta de regime fiscal que compromete a possibilidade de continuarmos enfrentando as mazelas da sociedade brasileira, especialmente entre os mais pobres. Essa medida compromete o Estado na medida em que aponta para a privatização de empresas nos Estados e diminui a possibilidade de manter o aumento do salário mínimo numa situação de agravamento fiscal.

Como você encara a proposta do Governo em utilizar um terço do fundo de reserva para investir na economia?

As reservas que nós temos são de responsabilidade do Banco Central. As operações de internalização dessas reservas têm um impacto fiscal que precisa ser avaliado previamente. Mas as reservas, pelo menos uma parte, poderiam ser utilizadas como fundo garantidor de novos investimentos e financiamentos pelos Estados. Então, as reservas brasileiras, que servem para assentar o quadro de especulação da nossa moeda, também poderiam ter uma outra utilização.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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