“Parece que desde que eu era pequena eu sou sofrida. Meu pai morreu, eu não conheci meu pai não. Minha mãe trabalhava em roça toda vida. No tempo do pai, diz que o finado não deixava ela ir pra roça não. Que era pra olhar os meninos. Mas depois que ele morreu, ela foi obrigada a ir pra roça. Aí ela me ensinava. Arroz a gente tinha que pôr num pilão e socar, socar, socar… Isso tudo eu fazia com sete anos”. Essas são as palavras de Dona Gerosina Barbosa dos Passos, de 72 anos, reveladas pelo livro “Memórias da Vila – História dos Moradores da Comunidade da Serra”.
O trabalho será lançado no próximo sábado (16), e foi desenvolvido pelo fotógrafo mineiro Guilherme Cunha e pela jornalista Joana Tavares. A ideia inicial consistia em um ensaio fotográfico que registrasse os habitantes idosos do Aglomerado da Serra, região Centro-Sul de Belo Horizonte, para a construção de um acervo imagético das memórias do local. No entanto, segundo Guilherme, a riqueza das vivências era tanta que ultrapassava os cliques e criava, sozinha, a necessidade de serem contadas. “As marcas da vida presente naqueles rostos já falavam. Foi então que percebemos que precisávamos fazer com que mais pessoas conhecessem aquelas histórias”, relata.
Durante os anos de 2010 e 2015, foram ouvidos 150 moradores – 80 fotos e 21 entrevistas fazem parte do acervo do livro. Guilherme conta que a metodologia adotada, contrariando os padrões, buscou o mínimo de distanciamento possível e nunca exigiu que houvesse a pretensão de organizar a realidade dos personagens ou tê-los como objeto de pesquisa. Pelo contrário, ele define a experiência como um grande processo de convivência e aprendizado.
“Eu e a Joana tivemos a oportunidade de conhecer a realidade cedida por aqueles que trouxeram à tona suas lembranças, e elas são o registro do cenário social, político e econômico do Brasil”, destaca. Para ele, além dos sinais na pele, os moradores também têm em comum a luta, resistência e relatos de descaso com a manutenção de direitos básicos como distribuição de água, comida e saneamento.
Patrimônio não só para a elite
A maneira como a administração pública e as grandes empresas de comunicação trata as comunidades também se tornou um dos fatores que impulsionaram a publicação. De acordo com Guilherme, o livro possui ainda o objetivo de ampliar a visão histórica sobre o processo de criação da capital, que, desde o início, excluiu pessoas e favoreceu a formação de aglomerados.
Lançamento
No sábado, das 10h às 13h, será realizada a distribuição gratuita dos livros para os moradores da Serra na Praça Posto de Saúde do Cafezal. A partir das 15h, acontece o lançamento no Museu Mineiro, onde a obra será vendida por R$ 55,00. Toda a verba arrecadada será revertida para a manutenção da Creche Irmão Otho, mantida pela Associação Espírita Christopher Smith, instituição que apoiou a realização do projeto.
