Representatividade

Entre as deputadas, votos pelo impeachment não alcançam dois terços

Votação entre as mulheres foi mais equilibrada na Câmara: 29 delas foram favoráveis à saída de Dilma e 20, contrárias

Redação |
Jandira Feghali (PCdoB/RJ) dá o seu voto na seção de abertura do processo de impeachment
Jandira Feghali (PCdoB/RJ) dá o seu voto na seção de abertura do processo de impeachment - Antônio Augusto/Câmara dos Deputados

Se apenas os votos das mulheres fossem contabilizados na sessão que decidiu o prosseguimento do impeachment de Dilma Rousseff, no último domingo (18), o processo não seria encaminhado ao Senado. Isso porque 29 deputadas votaram "sim" à destituição da presidenta, o equivalente a 60% das 51 parlamentares da Câmara. Ou seja, menos de dois terços das mulheres aprovaram a abertura do processo de impedimento. 

Em termos comparativos, apenas 116 deputados, ou 25% do total de 464 homens que compõem a Câmara, votaram contra o impeachment. As mulheres representam menos de 10% dos 513 parlamentares eleitos em 2014.

Esquerda acolhe melhor as mulheres

Para a socióloga Fátima Pacheco Jordão, conselheira do Instituto Patrícia Galvão, essa diferença já poderia ser notada a partir da análise dos espaços políticos nos quais elas estão presentes. "Do ponto vista de arregimentação e participação política, os partidos de esquerda acolhem melhor as mulheres. Elas têm uma possibilidade melhor nas hierarquias destes partidos, ao contrário do que acontece na direita", analisa.

O PT é a legenda com maior representação feminina na Câmara, com oito deputadas, seguido do PMDB, com sete, e o PR, com seis. Um delas é Clarissa Garotinho (PR-RJ), que está grávida de 35 semanas e se ausentou da votação por motivos médicos. Ela foi vaiada quando seu nome foi chamado e sofreu insinuações de que pediu licença médica somente para não precisar votar.  Sobre o episódio, a deputada Erika Kokay (PT-DF) diz que o Congresso é um ambiente hostil às mulheres todos os dias e a sessão de ontem foi apenas um "cair de máscaras".

Ironicamente, do Partido da Mulher Brasileira (PMB), o único representante é um homem: o deputado Weliton Prado (MG), que votou a favor da abertura do pedido de impeachment. 

A maioria de votos das mulheres foi a favor do impedimento. Sobre o fato, Fátima argumenta que essa postura pode estar associada à relação que os eleitores fazem entre enriquecimento ilícto e falta de serviços públicos. Segundo a socióloga, as deputadas estão mais próximas das pautas de saúde, educação e outros direitos sociais. Portanto, se posicionar contra a corrupção teria um impacto positivo na percepção do seu eleitorado. 

Representatividade

Kokay acredita que é "natural ver as mulheres votando de forma mais intensa contra o golpe do que os homens". "As mulheres que conseguem ocupar espaços públicos que antes eram reservados aos homens tendem a ter uma noção mais exata do que significa a democracia e a defesa de direitos conquistados. Elas têm uma convicção muito intensa sobre o valor da democracia enquanto condição universal", afirmou.

Sobre a votação do impeachment, ela avalia que os deputados se posicionaram na noite de domingo como "fundamentalistas misóginos", que não se conformam com o espaço conquistado pelas mulheres. "Existe um feminicídio simbólico na Casa. Vivemos isso todos os dias na Câmara e no país", declarou Kokay.

Segundo a deputada, a mesma lógica se aplica a outros grupos sociais, como negros, indígenas, lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) e outros setores, além de não serem representados, sempre tiveram seus direitos violados. Povos indígenas foram lembrados por apenas dois deputados, enquanto 92 deles mencionaram suas famílias. Apenas cinco deputados dedicaram seu voto à juventude, mas 43 votaram em nome de Deus. 

"Ontem, todos os deputados, sem exceção, tiveram a oportunidade de falar e mostrar o que são, e a maioria é de pessoas que não pensam o parlamento como representação legitima do povo brasileiro. É um indício da precarização da democracia representativa", criticou Erika.

Cultura do ódio

A militante do movimento negro Stephanie Ribeiro, que analisa as relações de racismo nos espaços públicos, avalia que "os partidos de direita não prezam a diversidade". "Não só na forma como eles se expressaram, dizendo 'minha família, meus netos, minha opinião'. Eles não prezam pela representatividade. Isso ficou evidente, porque nenhum deles criticou o governo por causa das políticas públicas que não foram feitas nestes anos de PT", afirma.

Stephanie argumenta que, além da desinformação e da despolitização, o Brasil tem uma sociedade que sustenta a cultura do ódio, "essa sim bem representada pelos parlamentares". "Existe um ódio geral contra mulheres, negros e LGBT que colocam esses deputados onde eles estão", completa.

"[Se vivêssemos] em um país que tivesse uma concepção política democrática e não odiasse minorias, a maioria da população estaria nas ruas agora, indignada com o que foi dito ontem. As pessoas estão muito mais chocadas com a cuspida de Jean Wyllys [PSOL-RJ] em [Jair] Bolsonaro [PSC-RJ] do que com o fato de Bolsonaro defender um assassino no Congresso. Ninguém está chocado com isso. É inadimissível", disse a militante.

Ela acredita que uma reforma política será capaz de aumentar representatividade das mulheres e dos negros. "Nosso Congresso é de homens que são filhos de políticos, de donos de terra... A gente está vivendo em 2016 como se ainda estivéssemos no Brasil Colônia", concluiu Stephanie.

Edição: ---