Opinião

O sujeito neoliberal e a busca por uma nova maneira de governar

Psicanalista analisa o livro "A Nova Razão do Mundo – ensaio sobre a sociedade neoliberal"

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O neoliberalismo não é apenas uma nova forma de ordenamento econômico, mas uma nova razão para um novo sujeito. Essa é a tese defendida pelo sociólogo Christian Laval e pelo filósofo Pierre Dardot, ambos franceses, em sua obra A Nova Razão do Mundo – ensaio sobre a sociedade neoliberal.

O livro, ainda que escrito no contexto da crise de 2008, mostra que o neoliberalismo não é apenas a retomada e radicalização do liberalismo clássico, porque ele não é contratualista nem presume um Estado reduzido (ainda que seus ideólogos assim anunciem). O segundo movimento implica no distanciamento em relação ao economicismo marxista e sua teleologia da autocontradição do capitalismo. Isso só é possível pela retomada de uma abordagem relativamente clássica, mas ainda não tentada para compreender o problema, representada pela tese de que o neoliberalismo é um dispositivo de criação de sujeitos, ou uma nova razão do mundo. Ele não é apenas uma modalidade de economia que exige um regime político, que cria certas condições jurídicas e morais.

Os autores retomam assim a ideia de que o capitalismo precisa de um espírito (Boltansky e Chiapello), que ele é um tipo de religião (Agamben). Menos do que apenas uma nova fase de mercantilização ou de acumulação por despossessão (Harvey), ele é uma resposta a uma crise de governabilidade (Foucault) que pretende satisfazer as exigências de liberdade em todos os sentidos: sexual, econômico e cultural.

Esta forma de vida chamada neoliberalismo, definida como crise de governabilidade, presume um Estado que alterna sua função de juiz com a sua função de player econômico. Daí que ele próprio deva ser julgado pelo princípio pelo qual deve zelar: a concorrência. 

A obra enumera outras características típicas desse padrão de sociedade neoliberal:

  1. Valorização dos procedimentos e avaliações desgarrados de suas finalidades;
  2. Identificação da arte de governar com a arte de policiar, isenta de controle judicial;
  3. Expansão da governança como gestão, inclusive nas áreas antes protegidas como educação, saúde, cultura, meio ambiente e assistência social;
  4. Fixação jurídica da relação entre direitos e contrapartidas
  5. Reprodução da lógica da concorrência entre as pequenas comunidades
  6. Fabricação sistêmica de “subcidadãos” e “não cidadãos”.

O neoliberalismo cria uma dessimbolização da política e uma “desdemocratização” da democracia liberal. O neoliberalismo é, antes de tudo, um “antidemocratismo”, o que se demonstra textualmente das teses de Hayek dissecadas pacientemente no livro de Dardot e Laval.

O problema com o qual o livro se encerra é também o nosso. O legado para esquerda e a tarefa para os progressistas é inventar outra maneira de governar. Nem a social-democracia, nem o socialismo, nem o populismo latino-americano conseguiram instituir uma forma de governabilidade que escapasse à razão neoliberal de mundo.

(*) Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista e autor do livro Mal-estar, sofrimento e sintoma.

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