BELO HORIZONTE

PBH Ativos: modelo implantado para privatizar patrimônio público

Segundo economista, empresa gere atividades de interesse da população sem controle social

Belo Horizonte |
“Se a PBH Ativos falir, o dinheiro do contribuinte vira pó”, diz Eulália Alvarenga
“Se a PBH Ativos falir, o dinheiro do contribuinte vira pó”, diz Eulália Alvarenga - Arquivo pessoal

Uma nova ofensiva neoliberal ameaça as riquezas do povo brasileiro. Porém, diferentemente do que ocorreu nos anos 90, o neoliberalismo agora aparece de maneira mais sutil, complexa e eficaz. Em Belo Horizonte, a Prefeitura criou uma empresa que gere atividades de interesse da população sem estar sujeita a prestar informações, o que dificulta o controle social. Ao fim e ao cabo, pode servir como uma máquina para drenar recursos públicos para o mercado financeiro. Modelo semelhante, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, levou à falência o Estado grego e já tem sido exportado para cidades como Porto Alegre, Salvador e Goiânia. Para entendê-lo, o Brasil de Fato conversou com a economista e auditora fiscal Eulália Alvarenga, integrante da Auditoria Cidadã da Dívida e da Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe.

Brasil de Fato - O que é a PBH Ativos S/A e no que consiste a atuação dessa empresa?

É um modelo implantado para promover, de maneira rápida, a privatização do patrimônio público. Em 2010, foi constituída uma sociedade anônima, com capital da Prefeitura de BH (99,49%), da Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel), da BHTRANS, além de pessoas ligadas ao Prefeito, algumas das quais com passagens pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

As atribuições dessa empresa foram definidas na Lei Municipal 10.003/2010 e regulamentadas pelo Decreto 15.534/2014. Consta, entre outras coisas, que ela pode gerir obras de infraestrutura e parcerias público-privadas, captar recursos financeiros e auxiliar na administração patrimonial. Para exercer essas atividades, usa a estrutura da Secretaria de Finanças do Município. Alguns de seus presidentes, no início, foram secretários de finanças. Para ela foi repassado capital do Município. Entretanto, mesmo operando com recursos públicos e atividades de interesse da população, essa empresa afirma que não está sujeita ao controle social, declarando-se de administração indireta, independente do Tesouro Municipal.

As atividades dessa empresa são realizadas de maneira transparente? As informações estão acessíveis a qualquer pessoa?

A Lei de Transparência (Lei Complementar 131/2009) diz que as informações deveriam estar disponíveis em tempo real e de maneira inteligível para qualquer cidadão funcionalmente alfabetizado. Entretanto, em alguns documentos, não fica claro quais são os juros. Muitos documentos não estão disponíveis, muitas atas de reuniões da diretoria não estão disponíveis no site da empresa ou da Prefeitura. A ata de criação da PBH Ativos só foi publicada no Diário Oficial sete meses após a reunião. Temos pouquíssimas informações sobre aumento de capital, mudança de sócios, etc. Além do mais, como empresa ligada à administração direta, ela teria que fazer concurso público, mas não fez.

Como os recursos da Prefeitura têm sido repassados à PBH Ativos?

O primeiro aporte de capital foi de R$ 100 mil, como consta na lei de criação da empresa (Lei Municipal 10.003/2010). A partir daí, começa a transferência de patrimônio do Município. A primeira transferência foi de créditos do Programa de Recuperação Ambiental de Belo Horizonte – DRENURBS. Esses créditos provêm de negociações com a COPASA, no inicio dos anos 2000, pela cessão de exploração de água e esgoto no Município, o que incluiu a venda da rede de água de esgoto, pela qual o Município recebeu ações; repasse mensal ao Município de 4% de toda a arrecadação dos serviços de água e esgoto; a responsabilidade de repassar R$ 170 milhões para o Fundo Municipal de Saneamento. Este repasse se daria em 24 anos, a partir de 2008. Os valores corrigidos em 2013 eram de R$ 224 milhões, a serem pagos em parcelas mensais até dezembro de 2031.

O terceiro aporte se deu com base na Lei Municipal 10.699/2014, quando o Município doou 53 imóveis para a PBH Ativos pelo “valor mínimo”, sem nenhuma informação sobre como foram apurados esse valores e porque era “valor mínimo” e não valor de mercado. Tais imóveis passam a poder ser usados como garantias em parcerias público-privadas. No mês de abril, os movimentos populares conseguirem suspender o leilão de 20 imóveis.

Por último, vieram as cessões de créditos tributários (impostos, taxas e contribuições, como o IPTU, ITBI e ISS) e não tributários (por exemplo, uma multa de passeio ou uma locação de imóvel da Prefeitura, entre outras). Como essa ideia é vendida? Primeiro, dizem: “Os municípios são inoperantes na cobrança da dívida ativa, que é muito alta”. Ora, nem toda a dívida ativa é cobrada. Por exemplo, quando você deve IPTU ou ITBI [Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis] e resolve contestar esse valor, o crédito é suspenso enquanto não for julgado. Se o município perder, ele limpa o crédito e você passa a não dever aquele valor. Então, o fato de o Município ter R$ 6 bilhões de dívida ativa não significa que ele tenha, de fato, R$ 6 bilhões.

Desses créditos, quais foram repassados à PBH Ativos?

Somente créditos tributários e não tributários que foram parcelados. Para serem parcelados, a Prefeitura refinancia, dá isenção de multa para contribuintes, através do programa chamado REFIS Se você está atrasado no pagamento de um tributo, ela pode dar isenção para você ir lá e parcelar, em até 120 meses. Um exemplo: você parcela o seu IPTU. Se você fica inadimplente em 90 dias, aquele seu crédito que a Prefeitura deu à PBH Ativos tem que ser trocado com o valor de outra pessoa que foi lá, parcelou e está pagando em dia. Isto é pior do que a venda de créditos, pois a Prefeitura tem que repor o fluxo. As parcelas referentes aos créditos cedidos que são pagas hoje, ao invés de irem para o caixa da Prefeitura, vão para o caixa da PBH Ativos.

Nesse modelo, os REFIS feitos pelos contribuintes do Município são repassados para a PBH Ativos, não significando que o Município tenha vendido esses créditos. O município continua a receber esses créditos pelo Tesouro Municipal. Dois dias após o recebimento, a Prodabel é obrigada a depositar o valor na conta da PBH Ativos, sob a pena de ser multada. No primeiro lançamento, foram repassados R$ 880 milhões, que podem ser pagos em até nove anos.

Que garantias a PBH Ativos oferece à Prefeitura?

O Município (Prefeitura), quando repassou os R$880 milhões, recebeu títulos (papeis) chamados “debêntures subordinadas” [para saber mais sobre as debêntures, acesse o link: migre.me/tzVNb]. Subordinadas porque a garantia é o capital da PBH Ativos S/A, ou seja, se esta quebrar, os papeis viram pó. Em contrapartida, a empresa (PBH ATIVOS S/A) lançou no mercado financeiro R$ 230 milhões de debêntures com garantia real, ou seja, garantidos pelos créditos repassados pela Prefeitura. Estes papéis têm garantia total da Prefeitura.

Bem, as debêntures com garantia real são ofertadas no mercado financeiro, numa operação coordenada pelo Banco BTG Pactual, a um conjunto de 20 a 50 seletos investidores. Quem são esses investidores? Não sabemos. Os rendimentos são altíssimos, corrigidos com base no Índice de Preços ao Consumidor - IPCA mais 11%.

Por exemplo, os R$ 880 milhões que eu mencionei são garantidores dos R$ 230 milhões lançados em debentures com garantia real. Depois, a PBH Ativos pode retirar da operação no mercado até 10%, a título de remuneração. Nessas operações, o BTG pactual recebe diversas formas de remuneração. Nos contratos, consta que o Município é responsável por qualquer prejuízo causado à PBH Ativos e aos investidores das debêntures.

Que danos esse processo gera na máquina pública?

Primeiramente, tem um impacto no recolhimento espontâneo de tributos. O cidadão é estimulado a deixar de pagar tributos para ter sua dívida refinanciada, pois sabe que sempre terá um REFIS. Por exemplo, se você é empresário e deixa de pagar o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), pode ser mais vantajoso deixar de pagar o tributo em dia do que recorrer ao mercado financeiro. Assim, as contas públicas ficam comprometidas, com um grande impacto no curto e longo prazo

Em segundo lugar, o lançamento de debêntures com garantia de créditos do Munícipio é ilegal, porque ser uma forma de antecipação de receitas orçamentárias vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.  Além disso, se a PBH Ativos S/A falir, a garantia do Município é praticamente zero. Se a PBH Ativos falir, o dinheiro do contribuinte vira pó.

Esse processo também fere o sigilo fiscal dos cidadãos. Se você ou sua empresa deve IPTU e/ou ISSQN e optou por refinanciar sua dívida, você não sabe que os dados do seu refinanciamento foram entregues a um banco, que tem acesso ao seu sigilo fiscal ou da sua empresa. Seus dados estão criptografados, mas o Banco BTG Pactual tem a chave deles.

Outro problema é que esse processo significa uma desestruturação da máquina da Prefeitura, as secretarias ficam esvaziadas, passando o planejamento para um seleto grupo de pessoas. A PBH Ativos S/A coordena as parcerias público-privadas para gerir unidades municipais de educação infantil (UMEI’s), Hospital Metropolitano do Barreiro, alguns parques, estacionamentos, o Mercado Distrital do Cruzeiro, cemitérios, tudo passando pela sociedade anônima. O que a PBH Ativos S/A tem de diferente de qualquer outra é que a Prefeitura tem a maioria do capital, que pode ser vendido, desde que haja aprovação da Câmara Municipal.

É uma estrutura paralela, que gere atividades de interesse público e não é controlada pelos cidadãos, mas por um pequeno número de pessoas com interesses particulares. O que vemos, aos poucos, é um esvaziamento das secretarias municipais e de toda a administração pública em suas atribuições. Talvez seja uma estrutura que tem mais poder de decisão em Belo Horizonte do que as próprias secretarias do Município.

O que fazer para enfrentar esse modelo?

Fizemos requerimento junto ao Ministério Público Estadual anexando Relatório Preliminar. Em janeiro, entregamos requerimento e relatório ao Tribunal de Contas do Estado. Esse relatório também foi entregue ao Tribunal de Contas da União, onde já corre processo sobre a atividade de cessão de créditos pelo Município de Belo Horizonte. Uma ação popular contra a cessão de créditos pelo Município foi impetrada pelos vereadores Gilson Reis e Pedro Patrus. Todos os movimentos populares de Belo Horizonte têm que conhecer a realidade e mobilizar contra privatização silenciosa do patrimônio público de Belo Horizonte, denunciando esse modelo para outras cidades.

Edição: ---