Entrevista

“A Barra, no Rio, nunca admitiria ouvir os sons do atabaque”, diz candomblecista

Luizinha de Nanã, candomblecista da Vila Autódromo, foi a primeira a receber prêmio da Alerj para mulher afrodescendente

Rio de Janeiro |
Trajetória de Luizinha de Nanã se confunde com a história da Vila Autódromo
Trajetória de Luizinha de Nanã se confunde com a história da Vila Autódromo - Divulgação

A história de luta de Heloisa Helena Costa Berto, a Yalorixá Luizinha de Nanã, se confunde com a história da comunidade Vila Autódromo, bairro de Jacarepaguá, município do Rio de Janeiro. Pois era lá na beira da Lagoa de Jacarepaguá que estava a casa de candomblé de Nanã, removida covardemente pela Prefeitura do Rio, num processo violento, extremamente desrespeitoso com a religião da agraciada e muito traumático.

Ela recebeu, na última semana, o Prêmio Dandara da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), concedido aos que empregam esforços na valorização da mulher afrodescendente, latino-americana e caribenha no estado. Saiba um pouco mais de sua história nesta entrevista.

Brasil de Fato: Quais são seus laços com a Vila Autódromo?
Luizinha de Nanã: O candomblé de Nanã, sediado na comunidade Vila Autódromo, surgiu através de uma promessa da minha mãe biológica na beira da lagoa de Jacarepaguá, local onde a casa espiritual “Yle Axe Ara Orun Yaba Jiyi” começou a ser construída há trinta e cinco anos. Foram anos de luta, erguendo a casa no barro, com o pé na lama, fazendo cômodo por cômodo, e, apesar de todas as dificuldades vivenciadas ao longo de sua construção, a casa espiritual não deixou de prestar auxílio às pessoas que necessitavam de trabalhos espirituais e de materiais básicos de sobrevivência.

E, depois de uma série de remoções que marcaram o local, o que aconteceu com sua casa residencial e espiritual?
A casa de candomblé “Yle Axe Ara Orun Yaba Jiyi” foi severamente ameaçada pelas tentativas de remoção da comunidade Vila Autódromo pela prefeitura municipal do Rio de Janeiro. Com o andar das obras do Parque Olímpico, a casa foi isolada dentro do empreendimento da prefeitura. Eu e minha família tínhamos que pedir autorização aos seguranças para entrarmos e éramos impedidos de receber visitas. No dia 24 de fevereiro desse ano, minha casa foi demolida e fui impedida de ser reassentada no interior da comunidade, passando por um difícil processo de negociação imposto pela prefeitura.

O que você achou dessa homenagem agora na Alerj? Você foi a primeira a receber esse prêmio recém-criado.
Eu sempre pensei em qual legado deixaria para os meus filhos. E esse reconhecimento oferecido pelo deputado Flavio Serafini vem para me dizer que eu estava no meu caminho certo, no caminho da fé. Embora eu tenha passado por tudo isso, vejo a luta que travamos e me sinto, de certa maneira, vitoriosa. A minha luta, que agora é por moradia, já é permeada por muitas outras opressões: sou mulher, negra, candomblecista e favelada. Passei e passo por preconceitos velados todos os dias. Mas, hoje, vejo que há pessoas de diversas religiões que me apoiam. Essa homenagem mostra isso.  Essa disputa pela minha casa na Vila Autódromo aconteceu porque a sociedade emergente da Barra da Tijuca nunca admitiria escutar os sons do atabaque. Eles não conseguiram ver negros e negras vestidos de branco andando livres, e não vestidos de babás. Hoje vejo que eu cresci, me tornei forte, mesmo tendo visto meu sacrifício de toda uma vida ser desmoronado em 10 minutos.

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