PERSEGUIÇÃO

Polícia Federal intima professora estrangeira da UFMG

O motivo se baseia em envolvimento com política, mas não possui base na Constituição, afirma advogado

Belo Horizonte |
Documento que foi entregue à professora
Documento que foi entregue à professora - Reprodução

A professora italiana Maria Rosaria Barbato, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi intimada pela Polícia Federal a dar depoimento sobre sua participação política. O pretexto, segundo consta na solicitação entregue à reitoria da universidade, seria seu envolvimento com sindicatos e partidos políticos em território nacional. Essa regra valeu apenas durante a ditadura militar.

“Ainda não tive acesso aos documentos para saber o que está motivando esse depoimento”, contou a professora, que afirma que se pronunciará quando estiver de posse do processo. A mesma foi a atitude da reitoria da universidade, que preferiu não falar sobre o caso.

A Polícia Federal (PF), também questionada, afirma em nota que “não comenta investigações em curso, que, inclusive, estão incipientes ainda”. O inquérito resultará em um relatório que será enviado à Justiça para possíveis punições.

Polícia atrás de estrangeiros

A atitude da PF mineira parece não ser um caso isolado. Em abril deste ano, a Federação Nacional dos Policiais Federais (FENAPEF), entidade que representa os sindicatos de policiais federais de todo o país, divulgou uma nota informando que agentes federais estavam aptos a deter estrangeiros que participem de “desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza no Brasil, submetendo o infrator à pena de detenção de 1 a 3 anos e expulsão do país”.

Segundo a assessoria da Federação, a nota foi motivada pela informação de que bolivianos participariam de protesto contra o impeachment de Dilma Rousseff em 17 de abril. “Todo o efetivo de Agentes Federais do País estará de sobreaviso no período de 15 a 18 de abril”, afirma a nota, que se baseia na Lei 6815, de 1980, o Estatuto do Estrangeiro.

Na análise do advogado Fabrício Polido, professor adjunto de direito internacional na UFMG, a atitude da Polícia é ilegal, pois contraria a Constituição Federal. Durante a Constituinte de 1988, ou seja, no processo de elaboração das atuais leis brasileiras, os deputados não acolheram o Estatuto do Estrangeiro como integrante das regras válidas. Nesse caso, a Constituição prevalece, explica o professor.

“A Constituição garante que os direitos do artigo 5º sejam exercidos tanto pelos estrangeiros quanto por brasileiros. Um desses direitos é a liberdade de pensamento, organização e reunião”, afirma Fabrício. Em um caso que o advogado defendeu, julgado no Tribunal Regional de São Paulo, o juiz decidiu pela prevalência da Constituição contra a denúncia de um estrangeiro que se organizava em um sindicato.

Tratados internacionais também protegem o direito de manifestação de estrangeiros. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, feito pelas Nações Unidas em 1966 e aceito integralmente pelo Congresso Nacional e presidência do Brasil, garante expressamente: “Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de construir sindicatos e de a eles filiar-se, para a proteção de seus interesses”.

Assim como garante o Pacto de São José da Costa Rica, elaborado em 1969 e que foi aceito pelo Brasil em 1992. “Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza”, diz seu artigo 16, sobre a liberdade de associação.

Uma situação “estranha”

Para outros professores da UFMG, a intimação à professora é “estranha”. “Nós estamos em um mundo globalizado e se a professora é admitida no Brasil para dar aulas, é inconcebível qualquer repressão à expressão da docente”, indigna-se Dalmir Francisco, professor de Comunicação da UFMG e integrante do Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco.

Já Fabrício classifica a atitude como perseguição. “Este estatuto foi concebido no regime Geisel, em plena ditadura, numa época em que as liberdades individuais estavam restringidas no Brasil. Não é passível de ser implementada hoje em dia”, afirma.

 

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