Entrevista

Rico Dalasam: "Fortalecer o oprimido é mais importante do que mudar o opressor"

Rapper paulista conquistou público de Curitiba em show no Teatro Paiol, na última sexta-feira (13)

Curitiba (PR) |
 “A gente não quer se adequar, a gente quer ditar qual vai ser o ‘papo do agora’”, diz Rico Dalasam sobre os temas de suas músicas
“A gente não quer se adequar, a gente quer ditar qual vai ser o ‘papo do agora’”, diz Rico Dalasam sobre os temas de suas músicas - Melanie d’Haese Grosbelli

“Todo mundo diz que o músico que lança um novo trabalho tem que passar por Curitiba. Se o público aceitar, ele está no caminho certo”, desabafa Rico Dalasam durante show realizado na última sexta-feira (13), no Teatro Paiol, na gelada capital paranaense. E as expectativas se cumpriram. No lugar onde a tendência é ficar sentada, a plateia deu sinais de que Curitiba também pode ser calorosa: assistiu o rapper e sua banda de pé, em ritmo dançante durante toda a apresentação, que contou com uma sequência de palmas a cada cinco minutos, em média. “Vocês estão gravando isso, né?”, brincou o cantor.

Além de talento e ousadia na criação e arranjo de letras, timbres e na fusão com outros gêneros musicais, o rapper carrega consigo um tom de quem sabe aonde quer chegar. “A nossa música cumpre um papel de desconstruir e de tentar mudar a cabeça do opressor. Mas fortalecer o oprimido para mim é bem mais importante”, afirma Dalasam em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato PR. Para ele, que tem tomado a cena do hip hop brasileiro falando sobre questões de gênero e aceitação, o central em seu trabalho é driblar a invisibilidade das minorias. “A gente que continua construindo resistência através da cultura e das artes sabe que as coisas não mudaram, apesar dessa pauta ser quente no momento”, garante.

Após o sucesso do EP “Modo Diverso”, que inclui faixas como “Aceite-C” e “Riquíssima”, Rico Dalasam e sua banda se preparam para o lançamento do primeiro álbum, “Orgunga”. A estreia acontece no dia 29 de maio, no auditório do Parque Ibirapuera, em São Paulo. Sobre o novo trabalho, Dalasam ‘manda a letra’: “Quero que as músicas entrem nas pessoas para transformar a vergonha em orgulho”.

 

Confira a entrevista.

Brasil de Fato PR- O seu trabalho tem sido muito bem recebido pelo público e pela crítica midiática, inclusive alguns veículos estão mencionando você como uma das mentes mais criativas e ousadas da cena do hip hop brasileiro, neste momento. O que você pensa sobre isso?

Rico Dalasam- A gente não dimensionou. Eu estava com muito medo do que iria acontecer e de como seria a estreia. Mas todo esse medo não competia com a minha ousadia e nem me acovardava. Estou tocando profissionalmente e vivendo disso faz um ano e alguns meses. E agora com o novo disco, estamos indo para a rua já sabendo o que estamos fazendo e que temos potencial de alcançar ainda mais pessoas.

As suas músicas falam muito sobre questões de gênero, identidade e aceitação, debates que estão tendo muita visibilidade no momento. Qual a sua posição política em relação a esses assuntos?

Essas questões sempre existiram e agora alguém decidiu notar que a gente resiste, que o que a gente faz é para driblar a invisibilidade, driblar o olhar estrangeiro que é posto sobre nós, as minorias. Agora as pessoas, a mídia e o mundo branco estão comentando sobre isso. E ok, se eles pararem de comentar, nós vamos continuar. Por mais que agora seja um assunto saturado, os avanços são bem poucos. A gente que continua construindo resistência através da cultura e das artes sabe que as coisas não mudaram, apesar dessa pauta ser quente no momento. Uma das coisas que influencia o que eu faço é estar sempre muito mergulhado no trabalho, em realizar, e não preso no ‘papo do agora’, em se adequar. A gente não quer se adequar, a gente quer ditar qual vai ser o ‘papo do agora’.  

Ser negro, gay e da região metropolitana de São Paulo te trouxe barreiras para entrar no cenário artístico e cultural, considerando o mercado hipercapitalista da música?

O negócio é que quando você cria uma linha de diálogo com o público- e a internet possibilita isso-, não tem jeito, eles vão ter que te chamar, te contratar, porque o mercado quer dinheiro também. Foi a internet que me ajudou a ter visibilidade. Nas vezes em que fui à TV, nunca deu um ‘buzz’. Mas a internet foi fundamental com os posts que fiz e algumas entrevistas que gravei. A partir daí a gente percebeu que as pessoas estão muito ligadas em se ver. Se ouvir já é incrível, mas se ver em alguém é mágico.

 

Você pode me explicar sobre o ‘queer rap’? Por que categorizar mais um estilo dentro do rap?

Nos Estados Unidos, a existência do ‘queer rap’ é muito mais compreensível, porque o rap é enorme. Há o gangster rap, o R&B e todas essas outras conversas, então faz sentido colocar essas outras tags definindo isso. O ‘queer rap’ é isso, é o gay que faz rap. Mas aqui no Brasil não faz muito sentido, aqui é a música negra que luta para resistir e ser legitimada. O rap mais ainda. Criar mais um subtítulo é jogar mais para trás e não mais para frente. A gente não se autocategoriza, eu nunca me categorizei como primeiro rap assumidamente gay, são as pessoas que falam isso. É um jeito de dizer que o que a gente faz é válido.  

Vocês realizam o primeiro show em Curitiba no dia 13 de maio, uma data mais simbólica do que real para a população negra. O que você pensa sobre isso?

Quando essa data passou a existir, grande parte dos escravos já vivia em algum sistema de liberdade. Essa lei [Lei Áurea] veio, porque o sistema abolicionista já era uma pauta praticamente ganha, não havia mais como sustentar a escravidão. Mas essa lei não trouxe nenhum tipo de inserção social aos escravos libertos. Então, essa data e essa luta para mim ainda não foram cumpridas.

E como você acredita que o hip hop pode atuar dentro desse cenário de marginalização social?

É inevitável ter um papel para além da arte. Às vezes a gente quer fazer só música, mas enquanto não tivermos uma condição plena de existência, de vida, de fala, toda a vez que a gente aparece, se pronuncia e resiste, se torna um ato político. A nossa música cumpre um papel de desconstruir, de ser referência para quem se vê no plano e de tentar mudar a cabeça do opressor. Mas fortalecer o oprimido para mim é bem mais importante. 

 

Você esteve no show de lançamento do coletivo Jornalistas Livres em São Paulo, que faz mídia alternativa. O que faz você apoiar esse tipo de iniciativa? 

Eu não vejo TV faz muito tempo. Hoje os editoriais e links de matérias chegam para a gente pelo feed de notícias [do Facebook], mas por algum motivo eu não abro mais. Eu sigo alguns jornalistas que acho relevantes, que têm pontos de vista interessantes sobre as coisas, e é a partir daí que eu me informo, me pauto. E essa transição para a internet foi algo natural, pois nem sempre estou disponível para ver televisão. Rede Globo eu não vejo faz muito tempo, peguei um desgosto mesmo pela televisão. Quando eu vou aos programas, depois vejo o link pelo youtube.

Alguma mensagem que você queria deixar para os leitores do Brasil de Fato ou fãs seus em Curitiba?

Eu quero que as músicas do novo álbum ‘Orgunga’ convidem as pessoas para uma análise interior sobre o que elas sentem vergonha dentro da natureza delas, e que essas músicas entrem transformando a vergonha em orgulho. Se a gente não pode ter orgulho da nossa política, das condições como somos tratados, precisamos que o orgulho volte para dentro da gente para que a gente possa rebater tudo que alguém disse que é vergonhoso em nós, na nossa natureza. Nos próximos dias, o que a gente mais vai precisar é de orgulho de existir.

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