União

“Quando a barriga dói, o bicho pega”, afirma o rapper Renegado

Junto ao cantor Tico Santa Cruz, Flávio Renegado reflete sobre o momento político e os impactos na cultura

Belo Horizonte |
Flávio Renegado e Tico Santa Cruz participaram do Acampamento pela Democracia, na Praça da Liberdade
Flávio Renegado e Tico Santa Cruz participaram do Acampamento pela Democracia, na Praça da Liberdade - Gustavo Ferreira / Sô Fotocoletivo

A presidência de Michel Temer, que assumiu interinamente por 180 dias no lugar da presidenta eleita, chegou trazendo retrocessos ao setor cultural. A extinção do Ministério da Cultura foi uma de suas primeiras medidas, provocando ocupações nas sedes da Funarte e do Instituto de Patrimônio Histórico (IPHAN) em todo o país.
Dias antes, o rapper mineiro Flávio Renegado e Tico Santa Cruz, cantor da banda Detonautas, participaram de uma manifestação na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Juntos, eles são autores da música “O Morro Mandou Avisar”, que se tornou um dos hinos contra o golpe político em curso no Brasil. 

Brasil de Fato - Em algumas postagens, você tem falado sobre o fascismo, e até mesmo escreveu sobre isso na música que você e o Renegado fizeram. O que o fascismo significa pra você?
Tico Santa Cruz - Cada fase da humanidade tem sua maneira de encarar os sentimentos e uma maneira de as pessoas se organizarem politicamente. Existem, além da questão pragmática e institucional, as questões de princípios e valores. O fascismo está ligado à ausência total de respeito, de qualquer tipo de empatia pelo próximo. Um sentimento que tem por característica um individualismo puro e o uso da violência. O fascismo se manifesta de forma violenta, trazendo preconceito, intolerância e atentados físicos, morais, sem nenhum tipo de escrúpulo. As pessoas manifestam esse viés fascista e nem sabem do que se trata, e isso pode contaminar todo mundo. 

Você acha que essa conjuntura política pode interferir no trabalho dos artistas? 
Tico Santa Cruz - A cultura já vem sendo tratada de uma forma muito aquém do que deveria ser. A primeira maneira de se dominar um povo é através da cultura, do comportamento, das músicas, da forma como ele se manifesta. À medida em que as pessoas vão diminuindo o valor dessa área, elas abrem espaço para que sejam dominadas por outras culturas. 

Qual a opinião de vocês sobre a exoneração coletiva do pessoal do Ministério da Cultura?
Tico Santa Cruz - É  muito triste pensar que o Brasil está indo por esse caminho, um rumo totalmente contraditório em um momento de expansão de direitos, quando os movimentos estavam conquistando coisas. Aí vem um governo provisório que não representa ninguém, nem as pessoas que estão indignadas com a administração da Dilma. A gente sabe que ele vai trabalhar para os setores privados e vai tentar fazer com que as pessoas parem de pensar, e a cultura é o pensamento. Isso é uma maneira de anular o povo.

Flávio Renegado - O governo vai acabar com as instituições que ajudaram nas conquistas populares. Chega e já joga a cultura para o Ministério da Educação, como se ela não tivesse valor. A gente está batalhando há tanto tempo pela construção dessa plataforma. Mas eu fico feliz também porque o povo está lutando, cada um a sua maneira. Agora a luta vai tomar outra proporção.

Tico Santa Cruz - Se por um lado a gente está vivendo um momento muito triste no Brasil, por outro é um período muito fértil. Está oxigenando a esquerda, os movimentos populares ganharam outra maneira de se manifestar, a cultura começou a se organizar. Há de positivo essa união, que pode trazer uma nova esquerda, e levar esse movimento pra além da bolha. 

Como vocês tiveram a ideia de escrever a música “O morro mandou avisar” juntos?
Tico Santa Cruz - Quase sequestrei ele! (Risos)

Flávio Renegado - (Risos) Foi maneiríssimo. A gente fez a música em três horas. Um encontro muito feliz apesar de ser um momento tenso. Fazer música é o que nos movimenta. Fico feliz de ter encontrado o Tico e os Detonautas porque dentro da classe artística nem todo mundo se posiciona. Quando a gente consegue ter um encontro de artistas comprometidos com o Brasil que está nos entornos, na periferia, é muito bom. Quando a gente fala que “o morro mandou avisar / se a senzala descer” é porque a periferia está na ponta e ela sofre os impactos de todas as transformações que estamos vivendo de forma mais dura. Geralmente quando o morro desce não é pra jogar flor, não. A construção social está sendo simplesmente ‘tratorada’ e na hora que essa população começar a sentir o impacto, a gente vai ter uma massa incontrolável na mão. E aí eu quero ver, a galera tem que se ligar nisso. Quando a barriga dói, o bicho pega.

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