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Plano de Temer para Bolsa Família excluiria 39,3 milhões de pessoas, aponta estudo

Ponte para Futuro prevê que programa se restrinja a 5% mais pobres. Atualmente, 97% da pobreza estimada é beneficiada

São Paulo (SP) |
A mudança deve ter impacto direto nas famílias afetadas e também nas economias locais de cidades menores
A mudança deve ter impacto direto nas famílias afetadas e também nas economias locais de cidades menores - Jefferson Rudy/Agência Senado

Um estudo da Fundação Perseu Abramo divulgado nesta terça (24) revela que, caso seja levada a cabo a proposta do governo interino de Michel Temer (PMDB) de reduzir os benefícios do Bolsa família a 5% da população mais pobre, 10,5 milhões de famílias seriam excluídas do programa, o equivalente a cerca de 39,3 milhões de pessoas.

A região mais atingida seria o Nordeste, onde 5,1 milhões de famílias em situação de pobreza seriam afetadas, seguida do Sudeste, onde 3 milhões de famílias pobres ficam de fora do programa.  Atualmente 97% da pobreza estimada é atendida pelo programa, o equivalente a 13,9 milhões de famílias. O estudo levou em consideração o documento Ponte Para o Futuro, lançado ainda em outubro de 2015 e que deve servir de pilar para a gestão Temer.

Segundo a pesquisa, a mudança deve ter impacto direto no aumento da pobreza.  "Se fizesse a redução de transferências com a economia crescendo, teria mais chance de as pessoas consideradas pobres ingressarem no mercado de trabalho. Isso em tese, porque em geral esse segmento beneficiado tem baixo nível educacional, o que dificulta a entrada na atividade econômica. Então, no fundo, é certamente sinal de que haverá aumento da pobreza, da subnutrição, além de impacto na violência. Há uma série de estudos que tentam relacionar o combate a pobreza à insegurança. Há outros que mostram que o Bolsa Família reduziu o número de doenças, o que implica em menos gasto com saúde; que melhorou o desempenho das crianças nas escolas e o índice de repetência é menor, então tem menos gasto com educação", avalia Pochmann.

A mudança deve ter impacto direto nas famílias afetadas e também nas economias locais de cidades onde os recursos do Bolsa Família dinamizaram o comércio local. Estima-se que, para cada R$ 1 investido no programa, há um retorno de R$ 1,78 na economia. Isso porque os beneficiários não acumulam a bolsa recebida e acabam consumindo no comércio em seu entorno. Em 2014, o benefício médio por família foi de R$ 176 por mês.

"Nós estamos vivendo uma economia que não terá crescimento. Estamos no segundo ano [consecutivo] de recessão, e, possivelmente, as medidas anunciadas hoje pelo presidente interino Michel Temer irão agravá-la. Não está no horizonte o crescimento econômico. Então, trata-se essencialmente de repactuar o orçamento, e a fonte para essa repactuação está justamente no gasto social", afirma o economista Marcio Pochmann, que coordenou o estudo e é ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Concepção

Para Pochmann, outro ponto fundamental da proposta é a explicitação de uma mudança na concepção das políticas sociais. Antes de 1988, o atendimento às políticas fundamentais como saúde e assistência social estavam condicionadas ao trabalho com carteira assinada. Desde a formulação da Constituição naquele ano, no entanto, a concepção é que as políticas sociais são para todos. Essa mudança fez com que aumentassem os investimentos em saúde, educação e seguridade social, que passaram de 13% em relação ao PIB, nos anos 1980, para 23% na última década.

"É um gasto comparável com os países desenvolvidos. Então, o que avaliamos é que o que está em jogo é esse aumento de dez pontos percentuais em relação ao PIB, que na verdade se consolidou com a Constituição de 88", afirma Pochmann.

Para ele, certamente o corte em outras políticas sociais, como a Previdência Social, teria um impacto fiscal muito maior. "Mas a questão é essa concepção de que [política social] não deve ser para todo mundo. Que não justificaria ter o beneficio generalizado porque há pessoas que estão melhor inseridas na economia e, portanto, usariam recursos próprios poupados para se proteger da perda de trabalho. Logo, tem uma concepção fiscal, mas também tem uma concepção de para quem serve a política social", afirma.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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