Mobilização

De forma autônoma, aprendizes ocupam Fábrica de Cultura do Capão Redondo (SP)

Adolescentes, que estão no prédio contra sucateamentos e demissões, reivindicam mais transparência na instituição

Redação |
Adolescentes na ocupação da Fábrica de Cultura do Capão Redondo,  em São Paulo (SP)
Adolescentes na ocupação da Fábrica de Cultura do Capão Redondo, em São Paulo (SP) - Aprendizes de Olho/Facebook

Ocupada há duas semanas, as atividades da Fábrica de Cultura do Capão Redondo, no extremo sul da cidade de São Paulo, são diárias. De maneira autônoma e independente, cerca de 100 adolescentes têm se responsabilizado pela programação cultural e pelas oficinas da instituição desde o dia 24 de maio.

Projeto vinculado à Secretaria da Cultura do Governo do Estado de São Paulo, as fábricas de cultura têm o objetivo de "ampliar o conhecimento cultural por meio da interação com a comunidade". Exatamente o que não está acontecendo, alegam os aprendizes que estão há 12 dias no prédio.

Eles reivindicam maior participação e transparência nas decisões de gestão das atividades. Eles também se posicionam contra o fechamento de ateliês e trilhas, e contra as demissões arbitrárias de arte-educadores que fazem parte da Poiesis – Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura, organização social que gerencia quatro das cinco fábricas de cultura da cidade, incluindo a do Capão Redondo. Desde junho do ano passado, 27 funcionários foram demitidos.

Este ano, o repasse previsto é de mais de R$ 16 milhões para que a Poiesis ofereça gratuitamente cursos e atividades de iniciação artística, programação cultural, além de fazer a manutenção da estrutura, que engloba biblioteca, estúdios de gravação e captação de áudio, arenas e outros.

Os aprendizes pedem, ainda, melhorias de infraestrutra no edifício, que apresenta rachaduras e alaga quando chove. "O prédio está bem deteriorado e isso também preocupa a gente", relata André*, de 19 anos. Morador do bairro, o aprendiz frequenta o espaço há dois anos. Segundo ele, a diminuição do horário da biblioteca, que funcionava até as 20h e passou a fechar às 17h, foi o "disparador de tudo".

No entanto, os membros da ocupação afirmam que as atividades não têm ligação com o cotidiano da comunidade, representadas até nas paredes brancas, predominantes no espaço.

"Queremos que o prédio seja aberto à comunidade, que ela seja da periferia. Não queremos que o pessoal do Morumbi venha aqui ver que o chão está limpinho. A gente prefere que o chão esteja cheio de grafite. Hoje, o governo acha que a Fábrica de Cultura é um número, para mostrar que está fazendo alguma coisa no Capão Redondo", disse André.

Ele destaca a importância da Fábrica de Cultura para a região. "É o único espaço de fomento à cultura que existe no Capão Redondo. Se tiram isso, não temos onde produzir cultura. Eu me sinto privilegiado por ter esse espaço, e por isso que estou lutando por ele". 

Dia a dia

Na última sexta-feira (3), quando encaminharam à Poiesis uma carta com as reivindicações, a Fábrica de Cultura do Capão Redondo receberia a banda de reggae Mato Seco.

Como estão fazendo no caso das atividades que já estavam previstas no calendário feito pela Poiesis, os aprendizes convidaram a banda para que permanecesse com o show, mas não foram atendidos. Com a lacuna na programação, os ocupantes organizaram outro show, com o poeta Sérgio Vaz.

"Agora é a gente pela gente mesmo", disse o jovem. "Aqui os aprendizes mais velhos ensinam os mais novos. Fazemos guerrinha de bexiga d'água quando está calor, pensamos nas oficinas...", conta.

Organizados em Grupos de Trabalho (GT), os adolescentes se dividem entre tarefas de comunicação, limpeza, segurança, cozinha e recepção, como faziam os secundaristas quando ocuparam mais de 200 escolas no final de 2015. Mas André, que também participou daquela luta quando estava no Ensino Médio, evita fazer comparações.

"É algo que a gente viu que deu certo lá e poderia dar certo aqui também. Mas são coisas diferentes porque ocupar um fábrica de cultura não é a mesma coisa que uma escola. Aqui, temos que manter tudo funcionando", disse.

A ideia da ocupação é também desburocratizar o acesso aos equipamentos a todas as pessoas que procuram o espaço e que querem produzir na fábrica. "Se a gente tem 50 violões, temos que colocar todos para ser usados. Tudo o que a comunidade precisar", afirmou.

Ele relata que eles utilizam espaços que antes dificilmente usavam, como o estúdio de gravação. "Demorava um ano para gravar uma música... E a gente gravou um clipe em um dia!".

Uma das próximas atrações que os ocupantes organizam é um show com o rapper Mano Brown, do grupo Racionais MCs. "Vai acontecer logo logo, ele já aceitou vir pra cá", anuncia André. Diariamente, os adolescentes publicam fotos e vídeos gravados na ocupação na página Aprendizes De Olho.

Outro lado

Procurada, a Poiesis informou que "está em diálogo com os aprendizes e que a pauta de reivindicações enviada por eles na sexta-feira [3] está sendo estudada". "Temos interesse em retomar as atividades o mais breve possível para atender toda a comunidade", afirmou.

Já a Secretaria da Cultura do Estado afirmou que "acompanha junto à organização social Poiesis a situação da Fábrica de Cultura do Capão Redondo, orientando-a para a manutenção do diálogo junto aos aprendizes ocupantes".

* Nome fictício para proteger identidade do aprendiz

Edição: ---