Entrevista

"Eu não acredito na mudança conciliada", afirma deputado Glauber Braga

Para Braga, pressão popular é a única forma de reverter o retrocesso que está se consolidando com Temer

De Curitiba/PR |
"Quando você coloca o representante do PSC como líder do governo na Câmera dos Deputados, que tem na sua bancada os dois Bolsonaros, é a demonstração clara da agenda que vai se colocar em prática de um governo [...]", afirma Glauber.
"Quando você coloca o representante do PSC como líder do governo na Câmera dos Deputados, que tem na sua bancada os dois Bolsonaros, é a demonstração clara da agenda que vai se colocar em prática de um governo [...]", afirma Glauber. - Arquivo

Glauber Braga, deputado federal pelo Psol do Rio de Janeiro, está entre a minoria da Câmara contrária ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Para o deputado, a reversão do golpe institucional ocorrido no Brasil não se dará por conciliação, e sim "de fora para dentro" das instituições, por meio de pressão popular. "A gente tem que conseguir mobilizar e sensibilizar quem não foi para as ruas", garante.

No Psol desde setembro de 2015, Braga compõe a bancada de cinco parlamentares do partido na Câmara Federal. Ele concedeu entrevista ao Brasil de Fato no dia 30 de maio, quando visitou a ocupação cultural no Instituto IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em Curitiba. Confira:

Brasil de Fato: Como você vê o cenário político brasileiro após a consolidação do golpe, com a aprovação pela Câmera de Deputados e pelo Senado da continuidade do processo de impeachment?

Glauber Braga - O cenário é de radicalização da agenda que está sendo imposta. Este projeto, que está ali representado por Temer, não aceita reconciliação, e está procurando, pelo seu conjunto de ações, implementar uma agenda de ruptura à direita. Ruptura institucional e democrática dos mecanismos que já existiam, para implementação de um projeto que não sairia de forma alguma vitorioso nas urnas. Junto com a implementação desse projeto vem a reação, as ocupações, as mobilizações pelo Brasil. A gente tem que ficar preparado também, porque consequentemente vem a reação estatal desse projeto a essas manifestações e mobilizações. Então eu vejo com preocupação tudo o que está acontecendo, mas com espírito de militância, de luta para reverter esse quadro em que o Brasil se meteu.

Você acha que é possível reverter o golpe?

Eu não acredito na mudança conciliada. Não acho que é o caminho constitucional que vai fazer que dois, três senadores modifiquem suas convicções para não votar no afastamento. Para mim, você só tem uma modificação verdadeira de cenário com um movimento. Aí eu estou falando do lugar de quem está lá no exercício do mandado. Falo de um movimento que venha de fora para dentro. O movimento que está acontecendo no Brasil, as ocupações, as manifestações, são importantíssimas, mas ainda têm uma tarefa a cumprir. A gente tem que conseguir mobilizar e sensibilizar quem não foi para as ruas num primeiro momento, aqueles que ainda não perceberam o que é a representação de um governo que restringe direitos como o governo de Michel Temer vai procurar fazer, e já começou.

Diálogo com a população

Você tem que dialogar com aquele cidadão que acabou de perder o emprego, pois ele tem a convicção de que não pode ficar pior. 'Eu já to passando por um cenário em que eu já perdi meu emprego, minha renda e da minha família estão caindo'. Aí, no primeiro momento, ele imaginava que a mudança poderia ser interessante para que ele vivesse um cenário diferente, ele não sentia aquela disputa relacionada com a votação do impeachment sendo dele. Aí ele passa a ter a compreensão e a consciência do que está em jogo, e do quanto aquilo vai fazer com que a vida dele se modifique de maneira permanente. Se ele entra nessa disputa, for para a rua, participa das mobilizações, acho que a gente tem condições de fazer a reversão do quadro de fora pra dentro. Acho um equívoco imaginar que a repetição das negociações de balcão podem virar votos dentro do Senado. O que vai fazer com que os senadores mudem sua opinião são as [consequências] das medidas que estão sendo implementadas por Temer, e a consciência das pessoas sobre o que representam essas medidas.

Você concorda com a análise de que o Brasil vive uma crise do sistema político e, sobretudo, de representatividade política?

Concordo, e eu acho que nós temos uma crise da representação e do sistema representativo. Feito o diagnóstico, qual o antídoto? O eleitor não se sente representado pelo Congresso eleito, mas a gente não faz o jogo da negação da política. Acho que as mazelas da política se resolvem com mais instrumento de participação direta da sociedade, com mais acúmulo que não passe necessariamente pela institucionalidade. A institucionalidade que está lá colocada vai dar abertura nos limites daquilo que não restringe suas próprias garantias. Dificilmente você vai ter um parlamentar defendendo que ele perca prerrogativas. Mas quando a luta vem de fora para dentro, boa parte dos parlamentares se sente obrigada a conciliar com as ruas, a dialogar com as ruas, para não perder completamente o poder que tem. Então, numa reforma política verdadeira, necessariamente a gente teria que facilitar o acesso à representação onde o poder econômico não tivesse tanto peso. E aquela pessoa que não quer se candidatar a nada tenha acesso a mecanismos de contato com o Estado, de participação direta. Mas acho que a gente está vivendo um movimento contrário, de restrição de direitos.

Pressão das ruas

Isso não acontece por uma reflexão consciente do parlamento brasileiro e daqueles que já foram eleitos, só acontece do acumulo que está sendo dado pelas ruas. É a partir daqui que pode haver uma virada de jogo. Até um ano atrás, ninguém imaginava que no Rio de Janeiro estaria acontecendo um movimento de ocupação de escolas. Eu sou natural da cidade da Fraiburgo, que tem a sua primeira escola ocupada na história. Esse é um movimento que pode refletir sobre uma alteração verdadeira na representação, sem negar a via eleitoral nem a representação parlamentar, mas tendo a convicção de que ela não nos basta, ela não é suficiente. É a luta da rua que vai fazer com que a representação política se modifique ao longo do tempo.

São novas formas de fazer a luta política...

O movimento de ocupações, pelo menos no estado do Rio de Janeiro, tem muito de novo, são ocupações diferentes das que existiram em momentos anteriores. Eu acredito que esse movimento possa oxigenar, e acumular forças pra uma modificação verdadeira do espectro político, da representação já eleita. Eu acredito nessa possibilidade.

Como você avalia este movimento de unidade de diversas organizações da esquerda, como das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, em especial para a construção de lutas concretas?

O que vai estabelecer uma articulação mais solida é a pauta. Eu como militante do PSOL posso ter uma avaliação de que o PT, no período que esteve no governo, fez um período de conciliação. Se você for conversar com um militante do PT, pode ter uma outra leitura do que foi a representação desse período. Do mesmo jeito que um militante do PCdoB, ou um militante que não tem filiação partidária, mas que está no movimento da luta do campo, um militante do MST, por exemplo. O que eu acho que vai fazer com que a gente tenha uma organização que articule e que dê força é a pauta que está colocada sobre a mesa, que não negue os partidos políticos, mas que tenha clareza que não só nos partidos políticos a gente tenha solução para ter uma organização que seja verdadeira. Essa pauta é mais do que relevante nesse momento, com o estabelecimento de uma agenda de resistência, porque o que vem, do ponto de vista institucional, é o que há de pior. Eu considero que o trabalho, tanto da Frente Brasil Popular, quanto a Povo Sem Medo, tem tido um papel fundamental, e acho que a gente precisa cada vez mais estreitar. Lá em Brasília, por exemplo, a gente constitui uma frente parlamentar de defesa da classe trabalhadora, já sabendo o que vem, como medida provisória, por exemplo, para ferimento de direitos. Têm vários partidos políticos nessa frente, o que faz com que nós possamos sentar em uma mesma mesa? A agenda. Em um combate à agenda de restrições de direitos, a gente tem capacidade de se articular, conversar e dizer que a nossa unidade vem até aqui.

As gravações divulgadas recentemente envolvendo parlamentares do PMDB ajudam a comprovar que o processo de impeachment é golpe. Como estas notícias repercutem internamente na Câmera? Chegam a enfraquecer a legitimidade das figuras ou partidos citados?

Continuarão tendo legitimidade se o movimento não for de fora para dentro. Para a institucionalidade que está lá colocada, a notícia que venha da rua não faz efeito se não tiver uma ampla mobilização para demonstrar que aquela liderança não é legitima. Basta ver quem foi indicado como líder do Governo Temer, André Moura, que é a demonstração concreta do poder que ainda tem Eduardo Cunha na determinação de quem vai fazer as principais orientações parlamentares do governo. O Jucá, logo depois que foi pego na interceptação, estava coordenando a votação da alteração de meta por parte do governo Temer e sentando à mesa para fazer essa articulação. A institucionalidade só se movimenta, e só se mexe, repito, se os mandatos que tiverem lá dentro sejam aqueles que vão dar força à mobilização e à luta que estiver se acumulando na rua. É aí que a gente vai modificar. Se não eles vão passar por isso como se fosse mais uma crise, e passam por isso implementando o seu projeto político de poder que já está explicitado no conjunto de documentos que eles apresentaram.

Mobilização popular

Então, repetir exaustivamente o “Fora Temer, governo ilegítimo” é importante do ponto de vista institucional. É importante que aqueles que já estavam na rua continuem gritando, mas que aqueles que não estavam passem a fazer com a compreensão daquilo que está acontecendo. O parlamento tem um papel importante, os mandatos progressistas, engajados, de esquerda também, em estar mostrando isso internamente, fazendo a luta política para dentro, para que ela repercuta fora, porque de fora para dentro é que a coisa se modifica.

O seu estado foi palco de um crime bárbaro, o estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos. Na sua avaliação, as estruturas do poder do Estado, as declarações machistas de parlamentares, refletem a cultura do estupro presentes no Brasil?

Está completamente relacionado, porque você tem do espaço de poder a legitimação de tudo que acontece fora daquele espaço. Então, quando você tem uma liderança política que diz 'você não precisa ficar culpado com esse ato, porque o seu ato é legitimo', ela está dizendo que aquele ato pode se repetir, e que você não tem que fazer uma modificação cultural a partir de uma reflexão profunda de que aquele ato não deve ser exercido. Os discursos daqueles que fazem essa legitimação matam simbolicamente, e matam também do ponto de vista prático, material, real, na vida cotidiana. Porque é quem vai legitimar os atos que vão acontecer na rua, e essa extrema direita é quem ganha mais força na representação parlamentar desse projeto que não quer buscar conciliação.

Ministério de homens brancos

Quando não tem mulheres no primeiro escalão do governo ilegítimo de Temer não é por acaso, é pela representação de quem compõe o governo, daquilo que eles pretendem como forma de manifestação de poder. Quando você tem um conjunto de secretarias que acabam é porque de fato eles tão dizendo 'olha, essa não é a representação do que a gente quer e pretende trabalhar'. Quando você coloca o representante do PSC como líder do governo na Câmera dos Deputados, que tem na sua bancada os dois Bolsonaros, é a demonstração clara da agenda que vai se colocar em prática de um governo, e daquilo que não quer se colocar em prática. Então, sim, os discursos, as falas elas legitimam as ações que são acontecendo no cotidiano, na vida real. Modificar uma cultura vem com muito esforço, com muita conscientização, com muita disputa na sociedade, e quando você está num caminho de garantia de direitos e chega uma liderança para deslegitimar essa garantia de direitos, você está desconstruindo aquilo que muita gente fez à base de suor, de lutas, de sangue para garantir o direito de todos.

Ao proferir seu voto 'não', na votação da Câmara sobre a continuidade do processo de impeachment , você fez referência a várias lideranças populares brasileiros. Qual foi sua intenção ao escolher aquele discurso?

O discurso obedeceu a uma lógica. Primeiro, não reconhecer aquele espaço institucional da cadeira que está por cima, em que estava Eduardo Cunha. Quando você não chama de Excelência, mas de você, você está falando 'eu não te reconheço, nem o que você está fazendo aí'. A segunda parte do discurso é exatamente para falar da representação.  Nosso problema com Eduardo Cunha não é pessoal, provavelmente se ele entrasse aqui eu daria um abraço, como ser humano. Mas, nesse caso é a representação. O que dá sustentação a cadeira dele cheira a enxofre, porque cheira exatamente o contrário do que ele está defendendo na sua fala, que é uma exaltação do bom, do puro. Então foi também um discurso de ataque.

Figuras históricas

A fala que reflete as figuras históricas também obedeceu a duas orientações. Primeiro, são aqueles que lutaram por democracia e aqueles que estavam na luta dos povos, que sempre combateram a opressão. Isso no contraponto aos muitos ali que faziam a opção por falar para o seu eleitorado, pensando na eleição seguinte e não na representação do que significava aquele momento histórico. Se tivesse que fazer de novo, repetindo cada uma das figuras que foram lembradas ali, eu faria. O que estava em jogo ali não é você concordar com cada um dos atos, com cada uma das figuras mencionadas, porque a gente não está tratando de figuras que a gente quer santificar. O objetivo é trazer quem faz a defesa da democracia de forma mais ampla, como democratização dos direitos, e quem estava na luta dos pobres, com os oprimidos, e não fazendo o jogo dos opressores.

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