CULTURA DO ESTUPRO

“Quase 90% dos estupros não são notificados por vergonha e medo”

Somente o estado do Rio de Janeiro somou 13 casos de estupro por dia em 2015

do Rio de Janeiro (RJ) |
Caso de estupro coletivo chocou o país e provocou discussão sobre violência sexual
Caso de estupro coletivo chocou o país e provocou discussão sobre violência sexual - Mídia Ninja

No final de maio, a notícia de uma jovem de 16 anos, que foi violentada por 30 homens no Morro da Barão, no Rio, chocou a todos. Porém, o caso está longe de ser uma raridade. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados 47.646 estupros no país em 2014. Somente o estado do Rio de Janeiro somou 13 casos por dia em 2015, sendo 64% das vítimas menores de 17 anos. Segundo estimativas, esses números ainda estão distantes da realidade, pois apenas 10% das mulheres estupradas denunciam. O Brasil de Fato conversou com Maíra Fernandes, advogada membro do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), para entender um pouco mais sobre a cultura do estupro no Brasil.

Brasil de Fato - A punição em caso de violência contra a mulher está desacreditada?

Maíra Fernandes - Aumentar a pena não diminui casos de estupro. A discussão é mais profunda.  Os criminosos só compartilharam o vídeo online porque sabiam que muitas pessoas iriam curtir e compartilhar. Precisamos combater a cultura do estupro que envolve também o consumo dessas informações na internet. Nesse caso específico, as redes sociais tiveram papel duplo. Ao mesmo tempo que divulgaram o vídeo criminoso, também tiveram muitos usuários que se rebelaram. E isso fez com que o caso chegasse à polícia. A maioria dos casos de estupro não são denunciados.

Brasil de Fato - Com a repercussão do caso, vimos também nas redes sociais que as pessoas, muitas mulheres, ficaram contra a vítima. Por quê?

Essa é uma realidade muito comum que faz parte da cultura do estupro. A vítima é culpada pela sociedade. Há sempre um prejulgamento sobre a postura da mulher, como estava vestida, se estava bêbada ou drogada. Tudo isso não faz a menor diferença. É preciso desconstruir essa ideia. Em nenhum caso a culpa é da vítima.

Brasil de Fato - Muitas mulheres não se sentem à vontade de denunciar por medo desse julgamento.

Muitas ficam preocupadas com o que as pessoas vão pensar, se sentem sujas, têm medo de ir à delegacia, pois não encontram um ambiente confortável. Outra questão é que a maioria dos casos de estupro são cometidos por homens próximos às vítimas. Quase 90% dos estupros não são notificados por vergonha ou medo.  Precisamos desconstruir a ideia de que o estupro tem justificativa, não tem. Em hipótese alguma.

Brasil de Fato - Mesmo com o movimento de mulheres crescendo, os números de estupros não param de crescer. Como avalia essa realidade?

Os números são assustadores. O que faz um homem acreditar que pode fazer com o corpo da mulher o que quiser? Essa ideia está presente na diferenciação das coisas de meninos e meninas, nas propagandas abusivas com mulheres na TV, na divisão dos papéis de homens e mulheres na família. Isso tem que ser resolvido com educação, se não os crimes sexuais vão sempre existir.

Brasil de Fato – Na última semana, teve desfecho o caso de exploração conhecido como “Meninas de Guarus”. Qual é a sua avaliação?

 Como pode haver exploração sexual de crianças? Porque ainda existem homens que se prestam a praticar estupro, assédio, exploração sexual. Para vencer esses grandes problemas, precisamos combater o machismo que é praticado diariamente. Os homens têm que lutar para isso, não por nós, mas conosco. Homens que digam “não” a uma piada machista, que não compartilhem vídeos com conteúdo sexual e que denunciem os abusos.

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