Debate

O que pensa a esquerda sobre um plebiscito para novas eleições?

Com pouca viabilidade técnica e política sobre a proposta, bandeira 'Fora Temer' ganha fôlego após o golpe

Redação |
Manifestação contra o governo interino de Michel Temer em São Paulo (SP)
Manifestação contra o governo interino de Michel Temer em São Paulo (SP) - Midía Ninja

Mesmo com frentes de esquerda constituídas contra o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), movimentos populares e partidos não têm consenso sobre a proposta de novas eleições. Em entrevista a veículos estrangeiros na terça-feira passada (14), a presidenta afastada demonstrou apoio à realização de um plebiscito para questionar a população sobre o tema.

Valter Pomar, professor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), classifica a proposta como uma "solução mágica" e "armadilha imensa". Ele argumenta que a possível convocação de um plebiscito enfraquece a narrativa construída pelos movimentos populares de que a destituição da presidenta é um golpe. A esquerda, na sua visão, criaria brechas para a redução de mandatos ao permitir uma medida que não está prevista constitucionalmente.

"O nosso argumento é que só pode ocorrer um impeachment se houver crime de responsabilidade. Mesmo que se diga que seria um processo democrático, através de uma eleição extraordinária (...) o que está sendo proposto é decidir se o mandato de Dilma vai ser exercido até o final ou não. É o plebiscito do impeachment", sentencia.

Já Joaquim Soriano, da direção da Democracia Socialista (DS), corrente interna do Partido dos Trabalhadores (PT), defende a proposta. Ele afirma que a narrativa do golpe no país é acatada e aceita por uma "vanguarda social", mas que parcelas da população, mais amplas "que as próprias forças do PT ou os que defendem a continuidade do governo Dilma", ainda assistem ao debate político de maneira passiva.

O grito em torno do Fora Temer, diz Soriano, é "absolutamente insuficiente" para atingir este público, que não se identifica com o governo interino nem com a presidenta afastada. Na sua visão, o plebiscito seria "um processo democrático de devolver a soberania popular".

"Nosso governo do segundo mandato erodiu sua base de sustentação (...) É preciso encontrar uma bandeira, uma palavra de ordem, política e geral, que fundamentalmente dê conta da continuidade desse movimento importantíssimo que está acontecendo nas ruas", afirmou.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) já afirmou acreditar que propor novas eleições legitimaria o golpe. Já o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ainda não se posicionou publicamente sobre o assunto. Segundo Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST, o movimento ainda está debatendo internamente para "afinar com os movimentos populares".

Indecisos

A proposta de plebiscito visa obter votos de senadores indecisos na segunda votação no Senado e, dessa forma, atingir a maioria simples na Casa contra o processo de impeachment. Haveria, ao menos, 15 senadores que tendem a mudar o voto, como Romário (PSB-RJ) e Cristovam Buarque (PPS-DF).

Encabeçando a proposta no Congresso, o senador Roberto Requião (PDMB-PR) afirma que existe uma "pré-disposição" de ao menos 30 senadores com quem vem dialogando sobre o plebiscito. No início do mês, ele promoveu um jantar com aliados para discutir a estratégia. "Sem plebiscito, vamos perder votos que tivemos. Não vamos conseguir manter nem os 22 senadores que votaram contra [o impeachment] no primeiro turno. Vamos ter 10 ou 15 anos de tragédia brasileira", disse.

"Ela [Dilma] tem que assumir um compromisso de mudança, senão, nem eu apoio. Ninguém quer o Levy de volta. O pessoal quer a discussão e a reforma política", adicionou. O senador sustenta ainda que "ninguém quer a Dilma no Congresso Nacional" e que a palavra de ordem 'Volta Querida' é "completamente vazia". Para ele, sem procurar "uma solução negociada" não há como "por fim neste impasse".

Questões técnicas

O advogado Ricardo Gebrim, da direção nacional da Consulta Popular, condena a solução que, a seu ver, seria "uma conciliação por cima, tão característica da história do Brasil". Para ele, além de ser "desmobilizadora", a proposta é inviável política, temporal e juridicamente. Ele explica que a antecipação das eleições, caso tramitasse dentro de uma prevista normalidade do Congresso Nacional, só ocorreria no final de 2017 (veja o infográfico abaixo).

Gebrim justifica ainda que a convocação de novas eleições não teria amparo constitucional e existe a probabilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar a proposta inconstitucional. "Uma das cláusulas pétreas da Constituição, que são fixas, é a periodicidade eleitoral. Então está implícito que não podemos encurtar mandatos. O STF pode acolher mandados de segurança para impedir a tramitação de emendas que vão nesse sentido", disse o advogado.

Questionado sobre a viabilidade da proposta, o senador Requião afirmou que não tem "bola de cristal" para saber se há ou não condições técnicas de antecipar as eleições. Mas ele afirma que havendo vontade popular e política "os prazos podem ser eliminados legalmente".

A estratégia seria uma forma de iniciar um "debate nacional" em torno do projeto que a sociedade brasileira quer, mas não tem condições de fazer hoje. "Primeiro, o que estou propondo é a reforma política, constituinte e eleição. Essas coisas vão ser discutidas no caminho. Não há mais como governar com 35 partidos e presidencialismo de coalizão", opinou o senador.

Para Joaquim Soriano, a discussão sobre "os detalhes, tecnicalidades e temporalidade" devem ocorrer, mas são "armadilhas de argumentos que levam ao imobilismo". "A questão central é tirar o Temer e para isso temos que arrumar uma bandeira política mais ampla", disse.

Requião argumenta na mesma linha. "Senão, vamos fazer o quê? Se iludir e achar que o que nós estamos fazendo é empolgação das massas? Eu tenho 75 anos de idade e 60 de política. E posso dizer que não há uma comoção popular a favor da Dilma", declarou o peemedebista. 

Desgaste do governo interino

Gebrim, no entanto, acredita que não existe um esgotamento da luta contra Temer. O advogado argumenta que a convocação de um plebiscito está sendo usada para "dispersar forças". "Acho que as denúncias oferecidas pelo Sérgio Machado e potenciais delações que poderão surgir da criminalização do Eduardo Cunha abrem novas perspectivas que vão fortalecendo o #ForaTemer — que está crescendo e não se esvaziando", apostou o advogado.

Segundo a pesquisa da Vox Populi, encomendada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e divulgada na semana passada, 67% dos brasileiros avaliam o governo Temer como negativo. Todas as avaliações relativas aos trabalhadores e direitos sociais pioraram em relação ao último levantamento, feito antes do afastamento da presidenta petista.

Valter Pomar também aposta no desgaste do governo interino para reverter o resultado contra Dilma no Senado. Ele acredita que os retrocessos polítcos representados por Temer somado às delações premiadas envolvendo a cúpula do PMDB na Operação Lava Jato intensificariam as reações populares.

Para ele, o possível acordo é endossado, de um lado, por "desespero" da esquerda frente a um possível enxugamento das mobilizações e, por outro, por conveniência de parlamentares que podem ser investigados no curso da Operação Lava Jato.

"A gente não está conseguindo construir uma mobilização social suficiente para derrotar o golpismo no Senado e então bate o desespero. Vamos então fazer um acordo com uma parte do lado de lá - setores que estão preocupados com a sobrevivência do Governo Temer, mas não querem o retorno de Dilma. Então, para eles, também é um bom acordo".

Sua avaliação é que dificilmente eleições antecipadas favoreçam setores progressistas após "uma campanha violentíssima de desmoralização da esquerda".

Mas estes seriam "riscos da disputa política", avalia Joaquim Soriano. "Temos que ter força política popular para impor. Senão não fazemos nada. Um grande problema em ficar limitado à bandeira do fora Temer é isso: você não diz qual é o futuro.... e depois o que que vem? E vem para quê?", questiona.

Mas, para Pomar, a sinalização de Dilma para a adoção de uma plataforma política pela qual ela foi eleita seria o caminho para reconquistar a governabilidade. "Nós perdemos a governabilidade institucional porque perdemos o apoio da classe trabalhadora. Não tem solução de curto prazo para esse problema e, por isso, é um erro defender o plebiscito para novas eleições. O tempo para recuperar esse apoio é mais longo que o tempo de realizações de novas eleições, se isso vier ser aprovado", finaliza o professor.

A Frente Brasil Popular, que reúne mais de 60 entidades entre elas a CUT, MST e União Nacional dos Estudantes (UNE), também não tem consenso sobre novas eleições, mas foi definido que no atual momento será mantida a bandeira unitária do "Fora Temer", e uma comissão de trabalho ficou de estudar melhor a viabilidade política e jurídica da proposta.

Edição: Luiz Felipe Alburquerque 

Edição: ---