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“Ofensiva contra a EBC é simbólica”, diz ex-presidenta da empresa, Tereza Cruvinel

Audiência na Câmara Federal debateu as ingerências governistas na comunicação pública

Brasília |
Instituição vive um clima de incertezas, em meio a especulações sobre uma possível extinção
Instituição vive um clima de incertezas, em meio a especulações sobre uma possível extinção - Divulgação

Considerada um dos alvos da gestão de Michel Temer, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) foi tema de uma audiência pública realizada na tarde desta terça-feira (21) na Câmara Federal, em Brasília. A instituição, que administra diretamente 13 veículos - entre TVs, rádios, agências de notícias e portais - esteve no noticiário das últimas semanas por conta de polêmicas interferências governistas e vive um clima de incertezas, em meio a especulações sobre uma possível extinção. 

As discussões giraram especialmente em torno do debate conceitual sobre a comunicação pública, atividade constantemente confundida e tratada como projeto de governo. “A comunicação pública está prevista na Constituição Federal e não pode ser percebida dessa forma. Estão tentando distorcer a questão, tratando a EBC como se ela fosse algo ligado ao governo anterior, na tentativa de desmontá-la. Mas, na verdade, ela é um patrimônio da sociedade brasileira e precisa ser forte e autônoma”, disse o coordenador-geral do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, Jonas Valente, ressaltando ainda que, tradicionalmente, os projetos de comunicação pública sofrem pressões políticas.  

“Quando se faz um enxugamento, no sentido de atacar os mecanismos de autonomia da comunicação pública, estamos tratando não somente do ataque ao setor em si, mas da violação de um direito fundamental, que é o direito humano à comunicação”, acrescentou Bia Barbosa, representante da Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública. 

A criação da Frente resulta das reações que a postura do governo Temer tem provocado em diversas entidades. Entre outras medidas, no mês passado, a EBC teve a gerência alterada por decisão do próprio presidente interino, o que alimentou o receio de enfraquecimento da comunicação política como resultado do atual contexto político.  

“A EBC é uma política de Estado e não de governo. Ela nasceu no bojo do processo democrático brasileiro e todos os países democráticos têm uma comunicação pública de qualidade, que se diferencia do setor privado. Não podemos abrir mão disso”, defendeu o deputado Chico D’Ângelo (PT-RJ), presidente da Comissão de Cultura da Câmara. O colegiado, em parceria com as Comissões de Legislação Participativa e de Direitos Humanos e Minorias, foi o responsável pela articulação da audiência.  

Divergências 

A relevância do tema fez com que a audiência contasse com ampla participação, inclusive de deputados - cerca de 20 compareceram. A presença de parlamentares governistas garantiu a candência do debate. Na visão deles, a EBC deveria ser extinta porque teria baixa audiência e seria usada como projeto político do governo do PT. 

“Se ela fosse bancada pela iniciativa privada, certamente já teria falido porque não dá lucro e não tem eficiência. A EBC acaba sendo, na verdade, muito chapa-branca”, disse o deputado Arthur Maia (PPS-BA), apoiado pelo deputado Júlio Lopes (PP), segundo o qual “o governo Temer pretende dar um novo momento ao Brasil, o que inclui rever as precárias condições de operação do sistema EBC”. Eles foram fortemente vaiados por dissidentes no plenário. 

“Não se trata de questionar a audiência. A questão é que todo governo autoritário quer calar a divergência, por isso a ofensiva contra a EBC é simbólica”, destacou Tereza Cruvinel, ex-presidenta da empresa. Durante o encontro, os defensores da EBC salientaram que, segundo dados oficiais, a produção da TV Brasil, por exemplo, chega a 32 milhões de pessoas, o que corresponde a 15 vezes o número de assinantes do Netflix e a seis vezes o número de leitores da revista Veja, um dos maiores veículos de imprensa do país. 

“E a TV Brasil é apenas um braço da EBC, porque nós estamos falando de um conjunto de veículos. É importante fazer essa ressalva porque isso às vezes se confunde no debate público”, disse Bia Barbosa.

Atualmente presente em quatro praças (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Maranhão), a EBC, além dos 13 veículos próprios, articula mais de 40 emissoras parceiras.  

Diversidade e democracia 

Os debatedores destacaram também a responsabilidade da empresa na pluralidade de vozes e opiniões nos seus veículos. “A EBC cumpre um papel muito importante ao contribuir para a democratização da comunicação porque ela pauta ações da juventude, dos negros, dos indígenas, dos quilombolas, etc. Esses grupos foram historicamente esquecidos pelos veículos privados. (...) Somente ela mostra a nossa voz, por isso esse trabalho não pode parar”, disse Enderson Araújo, membro do Conselho Curador da EBC como representante da juventude. 

Entidades presentes na audiência apontaram a relevância do conteúdo produzido pelas emissoras públicas. “Em 516 anos de Brasil, pela primeira vez nós temos eu, uma índia, como conselheira numa instituição como a EBC. A voz do nosso povo, que nunca era ouvida, agora tem espaço. Acabar com a empresa seria invisibilizar o genocídio dos povos indígenas, que a TV comercial não mostra. Nós não estamos nas cidades, por exemplo, mas a EBC faz inclusive com que as notícias cheguem lá nas aldeias”, disse Matsa Yawanawá, destacando a capilaridade da instituição. 

O atual presidente da empresa, Ricardo Melo, destacou a relevância da EBC como contraponto ao padrão de comunicação vigente no país. "O modelo brasileiro de comunicação foi montado com base no monopólio da produção e da opinião, e é isso que precisa ser questionado. Considerando o trabalho que a EBC apresenta à sociedade, enfraquecê-la seria um retrocesso", disse. 

Polêmica

Criada em 2008 pela Lei 11.652, a EBC virou motivo de polêmica nas últimas semanas após Temer demitir, no dia 17 de maio, o presidente, Ricardo Melo. Ele havia sido empossado pela presidenta Dilma Rousseff poucos dias antes do afastamento dela. No lugar dele, o governo nomeou o jornalista Laerte Rimoli. 

A decisão provocou a reação de diversos segmentos da sociedade civil organizada pelo fato de a lei de criação da empresa garantir a autonomia do mandato, que é de quatro anos e não coincide com a gestão do chefe do Executivo federal. Esse entendimento dialoga, por exemplo, com a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) e da Unesco. Ela indica que os mandatos de dirigentes do sistema público de radiodifusão não podem ficar reféns da arena política governamental. 

A disputa envolvendo a EBC se estendeu à seara judicial e, no dia 1º deste mês, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, expediu uma liminar garantindo o retorno de Melo ao cargo. “O mandato do presidente não pode ser colocado em xeque por interesses circunstanciais de um governo específico. A legislação nos assegura isso e somente o Conselho Curador tem o poder de destituir o gestor. Nós não podemos negociar essas prerrogativas”, ressaltou a presidenta do colegiado, Rita Freitas.

Ela frisou que o Conselho representa a voz da sociedade porque conta com  representantes dos funcionários da EBC, do Governo Federal, do Congresso Nacional e da sociedade civil organizada, escolhidos por meio de consulta pública. 

Tanto Rita quanto Ricardo Melo ressaltaram ainda que o colegiado é apenas um dos mecanismos dos quais a EBC dispõe para estabelecer uma vigilância sobre os conteúdos produzidos pelos veículos públicos e evitar possíveis inclinações político-partidárias. “Nós temos ouvidoria, diversos comitês e outras instâncias de controle como nenhuma outra empresa estatal já teve no Brasil”, assinalou Melo. 

Governo

O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa do governo Temer para tratar das críticas feitas à postura da gestão em relação à EBC e para tirar dúvidas sobre possível medida de extinção da empresa, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. 

Edição: José Eduardo Bernardes

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