Genocídio

Papa recebe denúncias de violências contra povos indígenas

Carta entregue pelo presidente do Cimi dom Roque Paloschi, critica construção de hidroelétricas e avanço do agronegócio

São Paulo (SP) |
 “Vivemos no Brasil uma situação desesperadora diante do sofrimento dos nossos primeiros habitantes”, afirma dom Roque em sua carta
“Vivemos no Brasil uma situação desesperadora diante do sofrimento dos nossos primeiros habitantes”, afirma dom Roque em sua carta - Serviço Fotográfico do Vaticano

O presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e arcebispo de Porto Velho, dom Roque Paloschi entregou ao Papa Francisco o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas de 2014, nesta quarta-feira (29), no Vaticano. Ele também entregou uma carta ao pontífice com críticas a construção de hidroelétricas e o avanço do agronegócio e da mineração no país.

 “Vivemos no Brasil uma situação desesperadora diante do sofrimento dos nossos primeiros habitantes”, afirma dom Roque em sua carta, que lembrou como as grandes obras de construção de hidroelétricas e o avanço do agronegócio e da mineração são nocivos aos povos indígenas. 

O presidente do Cimi também enfatizou o caso dos Guarani Kaiowa, no Mato Grosso do Sul, que estão perdendo o direito à moradia e sendo vítimas de um massacre por parte de comandos de fazendeiros da região.

“A ONU (Organização das Nações Unidas) tem denunciado em particular a violência contra os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Os Guarani Kaiowá tem visto o direito às suas terras ser negado, além de sofrerem repetidas violências de grupos paramilitares e o continuado descaso do próprio Estado. Estudiosos chegam a afirmar haver um genocídio do povo Guarani Kaiowá.”, afirmou Paloschi em sua carta.

Cloudione Souza, 26 anos, foi a última vítima fatal da etnia Kaiowá. Sua morte ocorreu durante um ataque dentro da Terra Indígena (TI) Dourados-Amambai Pegua I, no município de Caarapó (MS). O indígena era agente de saúde indígena e foi baleado no último dia 14. Além dele, outras dez pessoas ficaram feridas, entre elas, uma criança.

O papa já demonstrou preocupação com a questão indígena no mundo, em 2015, o pontífice se reuniu com povos tradicionais na Bolívia e no México para pedir desculpas cometidas pela Igreja contra os nativos durante “o descobrimento da América”.

 

Tiroteio deixou ainda dez feridos, inclusive uma criança, segundo relatos de indígenas / Ruy Sposati/ Cimi

 

Leia, abaixo, a íntegra da carta do presidente do Cimi, dom Roque Paloschi, ao Papa Francisco:

Roma, 29 de junho de 2016.

Santo Padre,

Em primeiro lugar, desejo agradecer a confiança pela minha nomeação como arcebispo de Porto Velho-Rondônia na Amazônia brasileira.

Peço a sua bênção e a sua oração para que eu possa viver a missão nos caminhos da simplicidade e humildade, sendo um irmão entre os irmãos e irmãs.

Mas hoje também quero suplicar uma bênção muito especial para uma outra missão que a Igreja do Brasil me confiou: animar e acompanhar missionários e missionárias do Brasil que trabalham junto aos povos indígenas, como presidente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI.

Somos profundamente agradecidos pela sua ternura e proximidade com os povos originários do mundo, como sentimos na sua Encíclica Laudato Si, nos encontros na Bolívia, México e em outros pronunciamentos.

Vivemos no Brasil uma situação desesperadora diante do sofrimento dos nossos primeiros habitantes; a indiferença, o avanço dos grandes projetos do agronegócio, a construção da grandes hidrelétricas, a mineração, e a devastação do meio ambiente em general. Isso tudo traz consequências desastrosas aos povos indígenas. A ONU tem denunciado em particular a violência contra os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Os Guarani Kaiowá tem visto o direito às suas terras ser negado, além de sofrerem repetidas violências de grupos paramilitares e o continuado descaso do próprio Estado. Estudiosos chegam a afirmar haver um genocídio do povo Guarani Kaiowá.

Queremos agradecer o seu apoio ao trabalho da Comissão Episcopal para a Amazônia coordenado pelo seu amigo particular Cardeal Claudio Hummes. Alegra-nos muito o seu carinho para com a REPAM – Rede Eclesial Pan-Amazônica e também sua atenção e estima pelo trabalho do CIMI.

Trago aqui o relatório de violência contra os povos indígenas, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário. Santo Padre, isso só nos entristece e nos envergonha como brasileiros e cristãos. Mas posso lhe assegurar que há um grande número de missionários e missionárias que vivem martirialmente junto aos povos indígenas, na defesa da vida e da criação. Contamos com a sua oração e bênção aos povos originários do Brasil.

Estamos nos preparando para sua visita ao Brasil em comemoração aos trezentos anos de Nossa Senhora Aparecida. Povos indígenas já sonham e aguardam uma visita sua, em qualquer lugar do Brasil onde estejam, como sinal de seu amor paternal aos primeiros habitantes de nossas terras ameríndias.

Obrigado e conte sempre com minha estima e prece.

Roque Paloschi
Arcebispo de Porto Velho e Presidente do Cimi

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